domingo, 17 de agosto de 2008

DAS VITRINES E DOS SEGREDOS DE UM RECIFE DISTANTE



























Um dia desses, lendo uma postagem do ótimo blog de Geraldo Pereira, voltei, em pensamento, àquele tão cantado Recife, distante no tempo, adormecido na memória, perdido para o presente. Senti, então, uma saudade enorme de uma porção de coisas, entre elas, das sorveterias que surgiram na cidade no início da década de 1960, numa época em que eu despontava de menino para meninote. Na verdade, acho que mais do que das próprias sorveterias, senti saudade mesmo foi daquele tempo. Das idas às sorveterias sim, mas principalmente, dos passeios vespertinos e noturnos, tão tranquilos e prazerosos, quando meu pai levava toda a família para "matar" o tempo e sentir a brisa fresca que soprava do cais do porto para o centro da cidade.

De vez em quando, antes ou depois de tomar sorvete, a minha irmã pedia para irmos ver as vitrines da rua Nova e ela poder sonhar com um vestido da "Etan", da "Sloper", ou da moderníssima "Cláudia", que não ficava na Rua Nova, mas q
ue apresentava o melhor da moda de então.
A mamãe insistia sempre em ver a vitrine da "Viana Leal" e admirar este ou aquele apetrecho que faltava em nossa cozinha e que, quem sabe, lá para o fim do ano, o dinheiro poupado daria para comprar. E as horrendas floreiras de louça, com um dragão em cada ponta? Como ela sonhava em ter uma, ou então aqueles castiçais de louça azul que iriam combinar com o vaso de flores da mesma cor. Para o meu desespero, um dia ela teve a ambos - os castiçais e a floreira - os quais, algures, ainda temos hoje.
Quanto aos vestidos sonhados por minha irmã, a mamãe, que tinha um jeito enorme para desenho e costura, mal chegava em casa reproduzia os modelos, aproveitava um corte de tecido sempre guardado e, no final de semana seguinte, lá ia a minha irmã ao cine Art Palácio ou ao cinema Moderno, de vestido novo, igualzinho a um daqueles das vitrines da "Etan", da "Sloper" ou da "Cláudia", fazendo inveja às amigas que não tinham mães tão prendadas. Bons tempos!
Ah sim, e ai de mim se eu contasse o segredo e dissesse a alguma das amigas dela que aquele vestido era cópia... !
O meu irmão e eu éramos sempre obrigados a uma passagem pelas vitrines da "Rialto" ou da "Confiança" (não a confeitaria, que ficava na rua da Imperatriz, mas a camisaria) para escolher o cinto ou o suspensório que poderíamos ganhar de aniversário. Às vezes, a opção mudava e era um sapato da "Clarks" que tínhamos de escolher. Não lembro de ter algum dia recebido os acessórios tão insistentemente escolhidos.


Voltando às sorveterias e aos consequentes sorvetes. Em uma postagem anterior (19 de dezembro de 2007) já falei de minha infância e do homem que passava pela rua onde morávamos com uma lata de sorvete na cabeça apregoando as suas delícias – aquelas sim, deliciosas no verdadeiro sentido. Os tempos, porém, haviam mudado e bom mesmo naquele início dos sessenta - onde os macacos continuavam macacos e gente continuava gente - passou a ser tomar sorvete na "Dudi", na distante (para nós) praia do Pina, ou na recentemente inaugurada "Xaxá", que ficava no início da rua Corredor do Bispo. Eu gostava de sorvete de cajá, a minha mãe, da novidade, sorvete de milho verde e o resto da família não abdicava do de baunilha, bem docinho e enjoativo.


Bom mesmo, porém, não era tomar sorvete ou ver vitrine, mas sim ser feliz com pessoas que hoje só estão nas minhas lembranças, ter uma vida inteira por ainda viver. Bom mesmo era o Recife ser uma cidade aonde os sabiás e os bem-te-vis ainda cantavam, na qual a fome e a miséria não deviam ser tão grandes assim, porque não se matava por fome, nem, pior ainda, por um celular ou por um tênis de marca. Bom mesmo era tomar sorvete sentado sem medo, à frente de uma sorveteria que ficava na praça 13 de Maio e da qual, por mais que me esforce, não consigo lembrar do nome!
Hoje, bom mesmo seria, apenas, não esquecer os nomes!
Será que esta manhã eu acordei saudosista? Quem, eu ???