sábado, 28 de janeiro de 2012

A AUSÊNCIA DA IGREJA DOS MARTÍRIOS VERSUS A PRESENÇA DA AVENIDA DANTAS BARRETO

Longe de mim ser crítico de política ou dos políticos, pricipalmente aqui no Lugar do Souto, pois esta não é a sua função.

Às vezes, porém, a saudade bate à porta de um lóbulo qualquer de meu cérebro e traz à memória  pessoas, lugares, monumentos ou simples construções que exisitiram e que deixaram de existir, no curto período de uma vida humana, graças, apenas, à ação direta de alguns políticos.
No dia 23 passado, dando uma volta nostálgica pelo centro do Recife, mais precisamente pelas ruas do velho e abandonado bairro de São José, lembrei de que, há exatos 39 anos, a única igreja no Brasil inteiramente construída por escravos havia sido demolida. Refiro-me, é claro, à Igreja do Bom Jesus dos Martírios, reproduzida, no início e no fim da postagem, em pintura de Eliezer Xavier. A sua demolição deu lugar ao novo traçado da Avenida Dantas Barreto, onde eu estava naquele exato momento.

Para quem não conhece a história desse templo católico, a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírio foi instituída no ano de 1773, na Matriz de Nossa Senhora do Rosário da Vila do Recife, sendo constituída por "homens pretos e crioulos (ou pardos)". Em 1775, transferiu-se para a Igreja de Nossa Senhora do Paraíso, onde foi colocada a imagem do Senhor dos Martírios.


Tendo sido concedido o privilégio de uma procissão anual, surgiu a necessidade de a Irmandade ter uma capela própria para o culto do padroeiro. O templo foi, então, construído num terreno doado, em 1782, pelo sargento-mor José Marques do Vale e sua esposa Senhora Ana Ferreira, situado no extremo da Vila de Santo Antônio. Concluída a obra, a irmandade e a imagem do divino padroeiro foram para lá transladados. Desde o século XVIII, a procissão do Senhor Bom Jesus dos Martírios percorria as ruas do bairro de São José e algumas do bairro de Santo Antônio, na cidade do Recife.

Mesmo deixando de lado a conotação meramente religiosa daquela, ou de qualquer outra  procissão - ainda que elas façam parte da tradição cultural de qualquer cidade cristã -, o que dizer do desaparecimento do pequeno templo do bairro de São José, em estilo rococó, construído por escravos angolanos, e que poderia ainda hoje ser um local vivo da história recifense, pernambucana e, por que não, brasileira? Tudo acabou no dia 23 de janeiro de 1973, porque assim o quiseram os homens que detinham o poder àquela época.

As cidades crescem e aos administradores públicos incumbe adaptá-las à evolução dos tempos, disto não restam dúvidas, mas modernizar não precisa ser sinônimo de destruir, posto que sempre existe a possibilidade de se aliar o progresso à história, à tradição, à preservação da memória urbana, à cultura de um povo. 


Muito já se escreveu e muito mais já se falou sobre a absurda destruição, e não pretendo escrever mais sobre fato tão distante e irreversível. Pretendo, apenas, lamentar, como eu lamentei no dia 23 de janeiro de 2012, a ausência da Igreja do Bom Jesus dos Martírios e a presença, em seu lugar, da Avenida Dantas Barreto, pois o que a paisagem daquela tarde me mostrava em nada dignificava a história do meu Recife.

 A Igreja poderia ainda estar lá, servindo de templo religioso e de monumento cultural, ensinando às novas gerações como se vivia e orava em tempos idos e a avenida poderia, também, ter tido um novo traçado, pois a primeira hipótese não inviabilizaria a segunda.
A foto ao lado, de autoria de Alcir Lacerda, mostra o início da destruição, com a igreja já sem a torre do sino. As outras imagens são, apenas, para tentar descobrir qual o resultado útil para a nossa comunidade que fez com que a edilidade de então concretizasse tão feroz destruição. O que melhorou no Recife com a ampliação, há quatro décadas, da Avenida Dantas Barreto e o que perdeu o Recife com a ausência da Igreja do Bom Jesus dos Martírios? A resposta que a dê cada um...


Era linda, não era? Senti pena, naquela tarde chuvosa de 23 de janeiro de 2012, das inúmeras pessoas que por ali circulavam e que nunca viram a Igreja do Bom Jesus dos Martírios. Eu vi.

sábado, 14 de janeiro de 2012

1912 - 2012 - GRANDES NAUFRÁGIOS

Não é costume nas postagens do "Lugar do Souto" evocarmos tragédias, sejam elas de maior ou de menor dimensão (se é que uma tragédia pode ser dimensionada). Abre-se hoje uma exceção. 

Nesta publicação, sem muito texto, o Lugar do Souto homenageia os desaparecidos em dois grandes naufrágios, o do Titanic, no dia 14 de abril de 1912 e o ocorrido esta madrugada, dia 14 de janeiro de 2012, com o Costa Concordia. (Destaco aqui que o naufrágio começou com o embate em um rochedo ainda na noite do dia 13, sexta-feira).

Coincidência de datas: dois dias 14 e anos terminados em 12.  O momento não é de procurar culpados, mas de lamentar a tragédia.

Nossa homenagem para os que perderam a vida em tragédias ontem, hoje e sempre.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

EU QUERO EMULSÃO DE SCOTT


Já não há mais crianças como as de antigamente ou o conto da irmã caprichosa e da irmã boazinha!*

O subtítulo acima até parece de literatura de cordel, mas não é. Aproveitando o fato de que o meu lado retrô e saudosista mais uma vez assomou à flor da pele, resolvi iniciar as postagens de 2012 prestando homenagem a uma amiga querida que, quando criança, tinha um comportamento tão diferente do das crianças de hoje (e até de muitas daquele tempo), que é digno de ser descrito numa postagem deste blogue.

Essa minha amiga, filha de um alto funcionário da administração de Getúlio Vargas e de uma senhora do lar, era uma criança muito dócil e boazinha e seguia ao pé da letra o que os pais ditavam, até mesmo quando pedia um presente.




O pai, devido ao cargo que tinha, estava sempre em viagem de serviço e, antes de sair de casa, perguntava  às duas filhas o que elas queriam receber de presente do Distrito Federal (à época, o Rio de Janeiro). A irmã de nossa heroína, que além de mais sapeca e serelepe, era muito "pidona" e caprichosa, enchia o pobre pai de pedidos, entre eles, doces da Pastelaria Colombo, uma boneca da Betty Boop, o último número da revista Fon Fon ou mesmo o Almanaque do Tico-Tico, visto que era assídua leitora dessas duas publicações.


E ai do pai se não trouxesse as encomendas, pois quando voltasse teria de aturar as birras da filha, que, além de ficar mal-humorada, cismava em não querer a Fitina, que a mãe religiosamente a fazia tomar durante a sopa do almoço. E o pior é que ela se  vingava da ausência de presentes beliscando a irmã boazinha, que nem sequer chorava, de tão meiga e amiga da irmã que era! Saliente-se que a boazinha sempre recebia o presente que pedia.

Mas não foi para falar da irmã caprichosa que resolvi escrever esta crônica, mas sim da boazinha, exemplo de criança e orgulho dos pais.

Não pensem, porém, que o pai fazia alguma discriminação entre as filhas e só trazia presentes para uma delas (a boazinha). Muito pelo contrário, o que acontecia inúmeras vezes era que ele, que mal tinha tempo para sair das reuniões de trabalho, não podia procurar e comprar as encomendas difíceis da filha caprichosa, mas, por outro lado, sempre encontrava o que a boazinha pedia. 

E por qual razão o pedido de uma das filhas era sempre encontrado? Pasmem agora os leitores! Só para  agradar ao pai, quando ele perguntava: "O que é que você quer de presente", a irmã boazinha simplesmente dizia: "Eu quero Emulsão de Scott".




Os anos passaram e as irmãs cresceram, mas não mudaram de temperamento

Caso alguém que as conheça vá viajar, nunca pergunte à irmã caprichosa o que é que ela quer de presente, pois apesar de agora as duas fazerem, anualmente, um cruzeiro que navega por mares nunca dantes navegados, ela continua pedindo aos outros viajantes coisas exóticas e bem mais difíceis de encontrar do que o Almanaque do Tico-Tico ou um réplica da Betty Boop. E, se não trouxerem as encomendas, a irmã boazinha talvez não leve mais beliscões, mas, certamente, durante o próximo cruzeiro terá o seu frasco de Emulsão de Scott escondido debaixo da cama ou jogado ao mar por uma das vigias do navio...

Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma perna de pato...



*(Esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais, é mera coincidência).