Se a Rua do Cupim fosse minha, ela ainda teria flamboaiãs em ambos os lados, para que as folhas pudessem confortar, com suas sombras, os tranquilos moradores.
Se a Rua do Cupim fosse minha, os postes de iluminação ainda seriam de ferro e as lâmpadas teriam de ser acesas, ao cair da tarde, por um solene funcionário devidamente fardado.
Se a Rua do Cupim fosse minha, ela ainda teria os paralelepípedos originais, sem remendos de alcatrão ou piche e os carros circulariam, sem perigo de choque, nos dois sentidos.
Se a Rua do Cupim fosse minha, as crianças ainda brincariam de “Garrafão”, de “Lacochia” e, até mesmo, de “Dono de Calçada”, pois o pouco trânsito a todas daria a certeza de que as brincadeiras seriam respeitadas e, além delas, principalmente, a vida.
Se a Rua do Cupim fosse minha, as “boiadas” ainda passariam por ela, morosas e assustadoras, alvoroçando a meninada com receio dos pontiagudos cornos dos ruminantes que, sem o saber, caminhavam para o cadafalso.
Se a Rua do Cupim fosse minha, os pregões matinais, vespertinos e noturnos, (estes bem menos barulhentos) ainda apregoariam as suas mercadorias, permitindo que as compras essenciais fossem feitas com esmero e quase sem sair de casa.
Se a Rua do Cupim fosse minha, as saúvas operárias ainda fariam por ela o seu longo percurso, com calma e sem receio, já que o risco de serem interrompidas era inexistente, ou quase.
Se a Rua do Cupim fosse minha, os jabotis ainda poderiam fugir pelos portões entreabertos, pois sempre haveria quem os trouxesse de volta à casa que lhes pertencia.
Se a Rua do Cupim fosse minha, ela só teria um edifício de apartamentos, mesmo assim, com um só andar, sendo a entrada pela rua Bruno Maia.
Se a Rua do Cupim fosse minha, ela teria apenas duas casas em “estilo funcional”, as demais, permanecendo como sempre foram nos sonhos de minha infância.
Se a Rua do Cupim fosse minha, as cadeiras ainda seriam colocadas nas calçadas, para aproveitar o frescor da brisa noturna e jogar conversa fora.
Se a Rua do Cupim fosse minha, os homens mais velhos ainda ficariam de pijama ao portão, à espera do cuscuz quentinho, para acompanhar a suculenta ceia.
Se a Rua do Cupim fosse minha, seu Bilas e dona Bió ainda morariam na mesma casa, soturna, sombria e imponente, com leões de louça no portão, estátuas alegóricas no quintal e urubus de verdade no telhado.
Se a Rua do Cupim fosse minha, seu Adalberto ainda soltaria balões na noite de São João e muitos rojões, na véspera do Ano Novo.
Se a Rua do Cupim fosse minha, todos os seus moradores ainda correriam ao grito de “Pega ladrão” e, apanhado o meliante, ai dele e não dos honestos perseguidores.
Se a Rua do Cupim fosse minha, ela seria como dantes quando, para o meu olhar infantil, estava inserida numa redoma de cristal e alguém a havia mandado ladrilhar com pedrinhas de brilhantes, transformando tudo o que nela passava em flores e amores.
Mas a Rua do Cupim não é minha, não tenho flores, nem amores e, ainda menos, pedrinhas de brilhantes, para que a possa de novo ladrilhar, sorrindo e cantando a alegre canção popular. Pobre de mim!
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* A Rua do Cupim, que já foi objeto de outras postagens, fica na cidade do Recife, nos limites dos bairros das Graças e dos Aflitos (tanto a rua, quanto os bairros, de nomes bizarros).