domingo, 23 de março de 2008

ILHÉU BOMBOM - S. TOMÉ E PRÍNCIPE




Passar uma semana em um país que tem como idioma oficial o português poderia não ter nada de especial, porque, afinal de contas, além de Portugal - que “inventou” a nossa língua - e do Brasil, mais seis países tropicais têm aquele que foi chamado de “Última flor de Lácio” como idioma de união nacional. Entretanto, na semana passada, tive o privilégio de estar em um país insular, constituído por duas ilhas - que lhe dão o nome - e por uns poucos ilhéus de rara beleza ainda não destruída. Refiro-me a São Tomé e Príncipe. A visita a esse país, do qual pouco se conhece no Brasil, fez a diferença nos meus conceitos sobre os países irmãos de origens lusófonas.
Por razões profissionais, desloquei-me à Ilha do Príncipe, que é a menor, a menos densamente povoada e a mais pobre das duas que compõem São Tomé e Príncipe. A ilha merece uma visita, seja para aproveitar as praias, conhecer o que resta das antigas roças de cacau,, visitar a cidade de Santo Antônio ou, ainda, para refletir no que poderá ser feito, em termos de cooperação, para com o povo daquele país, em especial o principiano, mais carente de capacitação e apoio em todos os níveis. A Unesco estuda um projeto para transformar Santo Antônio do Príncipe em patrimônio da humanidade e esse seria um primeiro passo, não só na revitalização do patrimônio arquitetônico mas, principalmente, na melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.
Além de trabalhar, conheci praias selvagens que não devem ser diferentes de como eram as do Brasil há quinhentos anos, quando os europeus começaram chegando por aqui. Entre muitas, destaco a praia do Ilhéu BomBom, a norte da Ilha do Príncipe, com excelentes condições de hospedagem em um resort bem preparado para receber os turistas que apreciam aventura (pesca submarina, montanhismo e muito mais).

Ir ao BomBom não é fácil. Primeiro, tem de se chegar a S. Tomé, via Lisboa, Luanda, Libreville ou Cabo Verde (a maneira mais prática, para quem sai do Brasil, é por Lisboa). A viagem de S. Tomé até à Ilha do Príncipe (40 minutos) é feita em um bimotor de segurança aparentemente suspeita e, do aeródromo local, é preciso enfrentar um caminho, que está mais para trilha do que para estrada, para, só então, chegar ao resort do Bom Bom ("Ufa").
Praias paradisíacas, frutas que pendem das árvores, ambas em profusão, papagaios que sobrevoam nossas cabeças em voo rasante, sol, chuva, tempestades, rios de águas límpidas. Todo esse primitivismo, junto com o barulho constante das ondas do mar, fazem com que o estresse ac
umulado desapareça no segundo dia de permanência no BomBom. A cidade de Santo Antônio, além da beleza natural que a circunda, tem um casario típico da colonização portuguesa que precisa urgentemente de restauração, para que se preservem as origens (que também são as nossas) e a identidade de uma cultura que marcou a história ocidental dos séculos XVI ao XIX. Lindo, muito lindo.


sábado, 8 de março de 2008

CARMEN MIRANDA NO RECIFE

CRÔNICA DE UM RECIFE DE OUTROS TEMPOS

"Se há uma noite que vai ficar marcada para sempre na história do Theatro Santa Isabel - um dos orgulhos de nossa capital -, vai ser, sem dúvida, a noite de hontem, sábado, 29 de outubro de 1932. O mesmo palco em que Castro Alves cantou em versos o seu amor por Eugênia Câmara, rendeu-se à exuberância e às marchinhas da pequena que o Rio de Janeiro nos honrou enviar, Carmen Miranda. Com tanto it e com tanto rebolado, quem não se renderia aos encantos daquela bonequinha carioca de apenas um metro e meio de altura ?

A platéia era constituída pelas melhores famílias de nossa sociedade, com as senhoras exibindo e pavoneando os seus chapéus e as senhorinhas, os solidéus, ambos dignos de fazer sucesso em Paris ou em qualquer outra capital da Europa. Entre as pequenas, destaco, pela elegância e candura, a senhorinha Alaíde de Castro Mello, que em breve será nora dos barões da Várzea. As torrinhas estavam repletas de moços, em sua maioria, estudantes, que entoaram gritos de “Morena do Céu”, tão logo Carmen adentrou o palco.

A minha Olivetti precisaria ter emoções em lugar de teclas para transcrever o delírio do nosso atheneu no momento de apresentação da cantora, que foi feita por ninguém menos do que o poeta pernambucano de Palmares, Ascenso Ferreira. A muito custo, consegui copiar no meu caderninho algumas passagens do verbo ilustre do autor de “Catimbó”. Ascenso subiu ao palco e introduziu Camen Miranda ao público do Santa Isabel, em inesperado momento de silêncio: “Com ela, a tragédia foi morta pelo bom humor e a tristeza nativa mudou-se em festa de batuque e bombos”. Ainda me emociono quando transcrevo o final da apresentação que o poeta "recitou" com aquele vozeirão característico: “Deus permita que tu botes diamantes pela boca”. E botou mesmo, diamantes em forma de canções!

Morena do Céu, Morena do Céu” aclamavam os recifenses, enquanto jogavam serpentinas no palco, embevecidos com a beleza da cançonetista (refiro-me, em particular, aos cavalheiros) e cheios de orgulho quando ela "rasgou" a canção "Eu gosto da minha terra". A noite memorável terminou com um buquê de lindas flores entregue a Carmen Miranda pelo Interventor Carlos Lima Cavalcanti, que nem parecia a alta autoridade que ele é, tão grande era a alegria e tão visível o orgulho que demonstrava, sem dúvida por estar ao lado da cantora.

Esta manhã, fui informado de que Carmen também recebeu um ramalhete sem cartão identificador, provavelmente do mesmo admirador oculto que tem passado os dias de “tocaia” nos arredores do Hotel Central, onde ela está hospedada. Será que tem algum mistério na vida de Carmen Miranda?

A ilustre cantora carioca (que há alguns anos declarou ter nascido em Portugal) chegou ao Recife, vinda de Salvador, no vapor Ruy Barbosa e só voltará à Cidade Maravilhosa depois do dia 5 de novembro, desta feita no luxuoso Zelândia. Quem ainda não viu o espetáculo, vá ver e não se arrependerá.

Senhoras e senhorinhas, minhas fiéis leitoras destas mal traçadas linhas de todos os domingos, concluo esta crônica com a ousada afirmação de que - com a presença de Carmen Miranda na terceira maior metrópole do Brasil - até o astro Will Rogers, que também está entre nós, ficou em segundo plano. Perdoem-me as admiradoras de Will...

Recife, 30 de outubro de 1932 -
Raoval Berior"

sábado, 1 de março de 2008

DOM JOÃO I, REI DO BRASIL - 1ª parte


Não, eu não esqueci de colocar o cinco (V) antes do número um (I) romano, a seguir ao nome de Dom João de Bragança. Foi assim mesmo que eu quis e é assim mesmo que eu pretendo escrever, nesta série de postagens, o nome daquele que foi Chefe de Estado em Portugal (VI) e também no Brasil (I), no início do século XIX.

O Príncipe Regente, Dom João de Bragança, chegou ao Brasil há 200 anos e o “Lugar do Souto” não poderia calar sobre o fato que marcou a nossa identidade, nem esquecer do homem que tomou a decisão de mudar a capital de uma Corte europeia para uma cidade na América do Sul.

A informação mais conhecida é a de que o embarque de milhares de pessoas, no final do ano de 1807, fora algo decidido de última hora, uma atitude irresponsável e inconsequente, motivada pelo pânico de um Príncipe fraco que reinava em nome de sua mãe, doente mental e que a mudança às pressas da capital fora por medo do exército de Napoleão Bonaparte, que já havia ocupado a Espanha, destronado o seu rei e que estava em Portugal com o mesmo objetivo. Por motivos os mais variados, é assim que muitos historiadores descrevem a partida da Corte para o Brasil, sem salientar o fato de que a decisão de partir fora meticulosamente pensada, analisada, discutida, adiada.


Muito já se escreveu sobre os dois ou três dias anteriores ao embarque e sobre o próprio dia em que as naus deixaram o porto de Belém, em Lisboa. Pouco, porém, foi escrito sobre as razões, os planos e a estratégia da partida, uma decisão difícil e única na história de Portugal, na da Europa e na de toda a Cristandade. Transferir para o Novo Mundo uma corte com sete séculos de existência, levando junto a cultura, a arte, os tesouros, a religião, a máquina administrativa e os sonhos de um povo não era uma tarefa fácil e, depois de tomada a decisão, a azáfama do embarque é mais do que justificada pela presença das tropas do General Junot às portas de Lisboa. Não tivesse sido tão rápido o embarque, as tropas francesas teriam interceptado os navios, que apenas ficaram a ver quando chegaram à capital lusitana.



A viagem transatlântica sob guarda britânica, os problemas com os ventos contrários logo à saída - com a subsequente separação das naus -, as tempestades, os piolhos, a passagem pela costa de Pernambuco, a escala para descanso em Salvador da Bahia e a chegada ao Rio de Janeiro a 7 de março de 1808, têm sido objeto, nos últimos duzentos anos, de um sem número de livros e de crônicas específicas, em especial em datas comemorativas como a que agora ocorre. Alguns setores da nossa mídia sempre tiveram uma certa atração em "caricaturar" o momento histórico da chegada da corte e, principalmente, a figura do Príncipe Regente. Nada de mais injusto, pois é a ele que se deve a unidade nacional, a identidade que nos distingue dos países vizinhos e o “salto” cultural e econômico dado entre 1808 e 1821, único na história do Brasil.

Em 2008 e nos próximos anos, o Brasil celebrará os seguintes eventos:

duzentos anos de criação da Imprensa Nacional,

duzentos anos da abertura do nosso comércio internacional (ainda tão incipiente no contexto global),

duzentos anos das Alfândegas do Brasil (hoje, inserida na Secretaria da Receita Federal do Brasil),

duzentos anos da primeira fábrica de pólvora (comentários à parte),

duzentos anos da Biblioteca Nacional,

duzentos anos do Banco do Brasil,

duzentos anos do Museu Histórico Nacional,

duzentos anos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Será preciso enumerar mais?

Quem foi o Chefe de Estado que incentivou e autorizou a criação de todas essas instituições? Dom João de Bragança, Príncipe Regente e, depois da morte da mãe, Rei Dom João do Brasil e de Portugal. O Brasil monárquico teve, além dos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, filho e neto, respectivamente, de Dom João, dois Chefes de Estado com o título de Rei (ou Rainha): Dona Maria I e Dom João I.




Por razões que se justificavam nos anos seguintes à independência, mas que não se justificam quase dois séculos mais tarde, procurou-se apagar da memória coletiva qualquer elo histórico com Portugal. O período do Reino Unido é um desses elos, daí as referências serem sempre a Dom João VI, Rei de Portugal e não a ele como Rei do Brasil. Não se deve, entretanto, esquecer que esse homem que nascera em Portugal tinha o Brasil como sua pátria de coração e o governava sob o título de Rei. O distanciamento atual nos permitie perceber que mais do que um bom Rei para Portugal, ele foi um excelente Rei para o Brasil. Amou tanto o seu reino que não o queria deixar, mas Reis não são (ou não eram) pessoas com vontade própria e o dever de Estado o chamava de volta a Portugal. Dom João I deixava o Brasil e Dom João VI chegava a Portugal.


No decorrer deste ano de 2008 darei uma visão pessoal sobre o personagem histórico e sobre o homem João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança e tentarei discernir as razões pelas quais alguns críticos históricos transmitiram às gerações futuras uma imagem tão grotesca do homem, esquecendo os seu feitos como grande Chefe de Estado no Brasil.