sábado, 27 de outubro de 2007

CICLO ENCERRADO

Amigo - neste caso, amiga - é para essas coisas...
A fruta-pão tem flor sim senhor e flor lindíssima.
Nesta manhã chuvosa do Recife dos nossos sonhos, a amiga de antigamente (e também de hoje e de sempre), acordou cedo, como sempre acorda. Vestiu-se a caráter, calçou botas por causa da chuva, equipou-se com a moderna câmera Zeiss, binóculos belgas, chapéu e capa de chuva. Antes de sair de casa, ela recebeu as recomendações de - "Cuidado com as cobras", de quem sempre recomenda cuidados, e se embrenhou mata atlântica adentro, à caça não da fruta-pão nem dos seus frutas-pão, mas sim do estágio anterior aos frutos. Refiro-me à flor da fruta-pão, aquela que um dia será o fruta-pão e o pão de muitos, pelo menos, nos nossos devaneios.

Subiu morro, desceu morro, cortou mato, abriu caminho, matou até uma cobra de duas cabeças e eis que, de repente, para o alumbramento dela e de cada um de nós, captou o momento exato do esplendor da flor da fruta-pão.

Que bom que é ter um amigo, ou melhor, uma amiga , que sempre dá respostas às nossas perguntas e que não nos deixa sós em delírios quixotescos! Que bom que é saber que até o pão de alguns também tem flor! Que bonita, que é a flor da vida!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

PARQUE HOTEL - MONTEVIDÉU

Ontem, apreciando a luz que refletia da bacia do Prata, confortavelmente sentado em poltrona de cana-da-índia, ao lado de uma mesa recoberta até o chão por toalha de alvíssima renda, eu distraía-me tentando descobrir os segredos de cada um dos hóspedes que, como eu, se deixavam levar pela tranquilidade da manhã e pela beleza do salão principal do Parque Hotel. Ao meu lado, uma jovem senhora, de cabelo à la garçonne, parecia mais interessada na leitura de uma revista de moda do que em conversar com o adolescente que a acompanhava e que só mais tarde percebi que era seu filho. Calculei, à primeira impressão, que não mais de dezoito anos deveria ser a diferença de idades entre ambos. O jovem teria uns 17 anos e ela, impossível ter mais de 35. Com a chegada do garçon d’hôtel à mesa vizinha, ouvi, sem querer, que a misteriosa dama – misteriosa, ao menos para os meus olhos – era britânica e com um impecável acento londrino, que deixava patente a classe social à qual pertencia, misto de snob, distante e tímida. O filho (aí eu já sabia que ele o era), pelo porte atlético, corte de cabelo e maneira de vestir deveria estudar em Cambridge ou Oxford, provavelmente se dedicando mais à prática do remo ou do tênis – ambos tão em voga no início desta década de 1930 – do que aos estudos.


Sem dúvida que eu também era alvo da discretíssima curiosidade de ambos, cada um a sua maneira. Vai ver era o terno de linho branco que ontem eu estava usando, ou o chapéu de palhinha que distraidamente eu havia deixado no espaldar da cadeira. Vai ver era eu mesmo, a minha solidão, que seria o motivo daqueles olhares furtivos que ela deixava escapar por cima da magazine que fingia ler e ele, por entre o verde do refresco de limão, que acabara de chegar.
Ontem, no salão do Parque Hotel, em Montevidéu, eu era feliz.



De repente, não mais do que entre o abrir e o fechar dos olhos - que uma leve sonolência fez ser um pouco mais demorado do que o habitual -, constatei que não havia mais mesas com toalhas brancas, nem hóspedes, nem garçons d’hôtel, nem aquela mãe com o filho de olhos de um verde acentuado pelo refresco de limão, que insistiam em tentar desvendar-me. O salão era o mesmo, mas as pessoas eram outras, eram homens e mulheres sóbrios, ministros de Estado negociando e debatendo questões comerciais e de política, sem o charme e o encanto dos antigos hóspedes. Perguntei a quem estava ao meu lado o que se passava, onde estavam os hóspedes. Foi com perplexidade que soube que o Parque Hotel já não funcionava há décadas e que ali era a sede de uma União de países chamada Mercosul.




Tudo aquilo que eu havia tão fortemente vivido fora um sonho. Só então me dei conta de que ainda estou em Montevidéu, mas no ano de 2007. Lembrei de que, há dois dias, olhando da janela do meu quarto de hotel (que não era o Parque Hotel) eu tentava desvendar os mistérios da cidade e de que, naquele dia, desci e flanei pela Praça de Cagancha, de nome bizarro para nós leigos, mas que é uma homenagem à batalha de Cagancha, que deu início à “Guerra Grande”, dos uruguaios, ocorrida entre 1839 e 1851. Pintores, mímicos, estátuas humanas e plátanos, muitos plátanos com folhas de um verde ainda fresco foi o que encontrei na Montevidéu de hoje. Mas permaneço na dúvida: Que HOJE é hoje? Por todos os lados, vejo gente simples vendendo o seu artesanato e tentando com a arte conseguir sobrevivência.



Quando estava meio indeciso se deveria tomar a direita ou a esquerda, resolvi seguir pela esquerda (sempre foi o meu lado predileto) e fui caminhando pela Avenida 18 de Julio, que todos sabemos a que evento deve o seu nome. Logo me certifiquei de que havia escolhido o bom rumo, já que por ela a cidade corria e deixava que as pessoas corressem. Cheguei à Praça da Independência, ao teatro Solis, à cidade velha, ao mercado antigo, ao cais do porto, à Montevidéu do século XXI, tranquila, mas moderna, sóbria, mas libidinosa.








Confirmei, então, que a manhã de ontem no Parque Hotel não havia sido mais do que um sonho, em um momento de cochilo, durante a reunião de que eu participava.Hoje, eu estou mais uma vez no salão que agora dizem ser “de conferências”, entre pessoas que negociam, que discutem, que trabalham e que não se importam se lá fora o sol brilha e reflete o seu brilho nas águas do Prata. Que pena, terei de esquecer o sonho! Sinto sono e, mais uma vez, os meus olhos estão quase fechando.
Adormeci por alguns instantes, mas logo despertei. Olhei para um lado, depois para o outro, reencontrei os hóspedes, verifiquei e confirmei que o meu chapéu de palhinha
continuava sobre a poltrona de cana-da-índia e que na mesa ao lado ainda estavam a jovem senhora inglesa e o filho, que já não bebia o refresco de limão, mas cujo verde continuava refletindo nos seus olhos curiosos, como se quisessem descobrir a razão do meu desaparecimento e do repentino regresso. O jornal, que agora estava sobre a mesa deles, trazia em sua primeira página a seguinte notícia “Yesterday, the former king of Portugal, Manuel II has passed away [...]. A triste notícia trouxe de volta o meu tempo! A triste notícia trouxe-me de volta ao meu tempo!
Que alívio, ontem não era um sonho!

É incrível como o verde consegue ser uma cor triste! Acho que, às vezes, o céu deveria ser verde e não azul e que o Parque Hotel deveria ter sido sempre o Parque Hotel!

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

QUEBRA DE ENCANTO ?




Hoje, em Montevidéu, tão longe das frutas-pão do meu imaginário, cheguei a pensar que um encanto havia sido quebrado.

E por que?

Porque uma grande amiga das antigas, do meu passado no Recife - daqueles tempos da mini-saia, das perucas sintéticas, das festas de Katia Mezel, dos bares "Balcão", "Zeppelin" e, bem mais tarde, do famoso "Livro 7", resolveu mandar a foto lindíssima de uma árvore do fruta-pão existente em um país também lindo, constituído por várias ilhas, chamado Cabo Verde. Nada contra Cabo Verde, antes pelo contrário, mas que susto e que decepção para mim, que pensava que só no Recife teria árvores do fruta-pão!



Então, me perguntei: "Será que para não quebrar o meu encanto terei, de hoje em diante, de evitar Cabo Verde, de nunca pensar em lá ir, de fechar os olhos quando sobrevoar o arquipélago?

Pensei, pensei e decidi que não vou quebrar o encanto. - "Em Cabo Verde, nem em nenhum outro lugar do mundo, tem a árvore do fruta-pão. Só no Recife das minhas lembranças tem árvores do fruta-pão".

Decidi, ainda, que, definitivamente, eu não quero quebrar o encanto de associar apenas ao Recife das noites mornas a última visão que terei das folhas da fruta-pão. Não quero, também, deixar de sonhar que só no Recife do meu imaginário podem nascer e frutificar árvores do fruta-pão e, além disso, quero continuar sonhando que o privilégio de ver a fruta-pão e comer o fruta-pão em substituição ao pão só é dado a quem for do Recife.
Não deixarei que se quebre, igualmente, o encanto do Recife dos oitizeiros, do Recife de uma rua que é "do Cupim" - e eu até sei porque ela é dele - e de outra rua, que é de um tal "Gomes Pacheco" - que eu confesso não saber quem é ou foi. Não quero que se quebre o encanto do Recife que já foi de tantas festas, minhas e da amiga que mandou a foto, nem do Recife onde nos era permitido ter sonhos e amores ocultos à sombra da fruta-pão. Não, não deixarei, repito, quebrar o meu encanto tirando a fruta-pão do Recife, tal como nunca permitirei que quebrem aquele maravilhoso tempo encantado em que a minha amiga e eu saíamos juntos no Recife da fruta-pão, no Recife do Poço da Panela, no Recife da "Boate Libra's", no Recife dos nossos sonhos, que, até hoje, permanecem juvenis. Enfim, não quero que desapareça o Recife dos nossos encantos... Não quero que os meus sonhos desapareçam.



Está decidido, só no Recife tem a árvore do fruta-pão - Tenho dito!


E por falar nisso, quem sabe como é a flor da fruta-pão?
_______________________________________
P.S. Deixemos para outra ocasião os comentários sobre o masculino do fruto, o feminino da árvore e o hífen entre a fruta e o pão...

domingo, 21 de outubro de 2007

BRUSSEL/BRUXELLES OU MESMO BRUXELAS



Que saudade de minha casa em Bruxelas!




Brussel*, flamenga desde um tempo perdido na memória, transformou-se, nos idos de 1830, na Bruxelles afrancesada de hoje, mas o seu nome em francês é ainda pronunciado pelos nativos com um singular acento flamengo, como que para não esquecer as suas origens.

Como eu gosto de Bruxelas!

Gosto de sair cedo em uma manhã ensolarada de inverno – que são mais frequentes do que se pode imaginar - e caminhar pelas alamedas e parques, despidos de folhas, mas não de encanto! Gosto de meditar na Abbaye de la Cambre, gosto dos lagos de Ixelles, gelados ou não, dos bistrôs cheirando a café e cigarro – estranho prazer para um não fumante. Gosto dos brocantes (fórmula belga de fazer dinheiro), onde se vende tudo o que está sobrando em casa, desde talheres tortos a bibelôs decôs, de revistas rasgadas a inesperadas obras de arte, estas, a cada dia mais difíceis de serem encontradas! Ah, como eu gosto das manhãs de domingo no Marolles! Comer escargôs, tomar uma cerveja branca com limão e esperar que a tarde chegue, trazendo os retardatários no acordar, mas não no poder de sedução, nem no de tantas outras coisas!

Brussel de Bruegel, o velho e o moço, Brussel de Charles Quint, de Horta, de Jacques Brel a Adamo, de Tintin e, ... por que não...? Bruxelas de Reinaldo. Bruxelas antiga, Bruxelas clássica, Bruxelas decorativa, Bruxelas sacra, Bruxelas artística, Bruxelas profana ... Brussel flamenga ou Bruxelles francesa, gosto de ambas, gosto de todas.

Que vontade de fechar os olhos e sonhar que estou saindo do Marolles pela Rue Blaes e que chego ao Grand Sablon, onde saboreio um croissant no "Le Pain Cotidien", continuo subindo, sento em um banco do Petit Sablon e... acordo... com o vento gelado me enrijescendo as bochechas! Acordar em Bruxelas é a continuação do sonho bom. Queria, então, descer para a Grand-Place, misturar-me aos turistas e gritar, gritar muito alto “Eu te amo, Bruxelles**, eu te amo”!

Bruxelas já não é a mesma que eu amava no passado, eu sei. Não tem Reinaldo, não tem tantos outros amigos, não tem minha casa, não tem até o mesmo cheiro das manhãs de inverno. Ou serei eu que já não tenho os mesmos olhos, as mesmas companhias, os mesmos cúmplices, o mesmo olfato para sentir a cidade? Sou eu, sem dúvida, porque mesmo sem tantas pessoas e tantas coisas que foram e que ainda me são tão caras, mesmo sem elas, repito, em Bruxelas, eu estou sempre em casa e em casa, eu estou sempre feliz!
Bruxelas não é a única, mas, sem dúvida, é uma das minhas casas.

Volta, Bruxelles, volta aos meus sonhos de sempre...
______________________________________
* Atenção, "Brussel" em neerlandês e não "Brussels", em inglês
** É "Bruxelles" que eu chamo e não "Bruxelas", quando sonho que converso com ela.

domingo, 14 de outubro de 2007

OS VASCONCELLOS DO SOUTO




Postagem familiar, provavelmente sem interesse para quem não conheça a família, mas, mesmo assim, optei por mantê-la, como mais uma explicação ao título do blog.


Na tarde do dia 12 de agosto de 2007, alguns primos Vasconcellos, todos descendentes dos antigos Senhores* das Casas da Vila e de S. Tiago de Lanhoso, ambas no Lugar do Souto, Lanhoso, Portugal (ver postagem mais antiga), reuniram-se na casa da foto, para uma sessão musical - ao som do velho piano que também aqui se mostra.
































Tempos antigos e
tempos modernos!














O nome “Vasconcellos” surge pela primeira vez nas inquirições de 1258 para designar uma "honra " (feudo) - hoje um lugar da freguesia de Ferreiros, concelho de Amares, distrito de Braga - então pertencente a João Peres de Vasconcellos, de alcunha "O Tenreiro", fidalgo que participou na conquista de Sevilha e é o mais antigo personagem assim designado.


A origem dos Vasconcellos - ou Vasconcelos - reunidos naquela tarde, ainda não se sabe ao certo, pois o estudo genealógico caminha "a passos lentos", mas já há confirmação de que em 1777, Antônio Luiz de Abreu Vasconcellos e Sylva, da já referida Casa da Vila, casou com Dona Clemência Quitéria da Sylva de Araújo Vale, da Casa de Sant'Anna de Pandozes, Vieira do Minho, e, por sua vez, vinte anos antes, em maio de 1757, Dona Violante de Abreu Vasconcellos e Sylva, irmã de Antônio Luiz, casara com Alexandre Rebelo de Macedo e Silva, da Casa de Santo Antônio do Souto, mas não tiveram filhos.

Que confusão! São muitas Casas e muitos nomes para um blog tão simples como este! Vamos parar, antes que eu mesmo - e quem tiver conseguido ler até aqui - embaralhe tudo e nunca mais desfaça o nó. ( http://genealogia.netopia.pt/0366/ )
Depois daqueles casamentos - do de Violante e Alexandre, de outro e de vários outros - muitas águas rolaram naquelas Casas e naquelas famílias. O que interessa mesmo (ao menos, para mim) é que Dona Violante, por ser fraca parideira ou por razões outras que não vêm ao caso, não deixou descendentes e foi do seu irmão e da mulher que surgiram, dois séculos e meio mais tarde, os Vasconcellos que se juntaram para contar contos e ouvir música.



Quantos encontros vespertinos, como o dia 12 de agosto de 2007, e quantos saraus semelhantes terá acontecido nas Casas do Lugar do Souto entre outros Vasconcellos, antepassados dos atuais, com outros contos, outras histórias, outros amores para contar?


Mas eu é que já contei demais e como não sou a Nau Catarineta e consciente de que quem conta um conto sempre aumenta um ponto, prefiro parar por aqui, deixando a história dos meus Vasconcellos e as histórias do "Era uma vez" para outro local que não seja este blog!


Entrou por uma perna de pinto e saiu por uma perna de pato, senhor rei mandou dizer ...
______________________________
*leia-se, de modo menos pretensioso, "proprietários".

OUTRO EXCERTO DE "O VOO SOLITÁRIO DAS SAUDADES DE UM REI"

Em dada altura do Capítulo 2, o autor da biografia romanceada de Dom Manuel II (ainda em elaboração)** contrapõe o personagem título ao momento do seu próprio nascimento - ao qual assistia como espectador não interveniente -, em um delírio imaginário que teria precedido aos seus últimos instantes de vida e o feito "voar" do nascimento à morte.

No trecho a seguir, em conformidade com a linha mestre do livro, o presente (1932) e o passado (1889) confundem-se na descrição e no pensamento de Dom Manuel de Bragança.

Era o dia 15 de novembro de 1889 e a mais sombria das cores, o preto, predominava, em ato premonitório, no quarto onde à luz era dada uma criança:


"Se pouca dúvida tinha, doravante nenhuma mais tenho… Sou eu aquela criança que acaba de nascer. Vejo-me recém-nascido… Abro os olhos pela primeira vez… Mulheres de preto, vestes negras em todo o quarto. Não percebo porque todo este negro. Um bom sucesso é ou não uma ocasião de grande regozijo? Por que ou por quem, então, será o luto ? Ah, é claro, já me lembro, a corte cumpre nojo pesado, quer pela morte do Infante Dom Augusto, falecido a 26 de setembro, quer pela do seu irmão, o Rei Dom Luís, meu avô, ocorrida há menos de um mês* e, além disso, o preto — luto ou não — foi, é e também no futuro devê-lo-á ser, a cor favorita das mulheres do meu país.
*D. Luís I faleceu às 11 h 05 do dia 19 de outubro de 1889, tendo as solenes exéquias sido realizadas a 26 de outubro do mesmo ano."

**A biografia romanceada do último rei, "de jure et de facto", de Portugal está escrita na forma lusitana da língua portuguesa, e de outro modo não poderia ser, já que se pretende dar à "biografia" um cunho mais próximo possível daquele em que o próprio a teria escrito.



Foto, em tom sépia pelo tempo, de Dom Manuel II ainda criança, com o irmão tão querido, o Príncipe Real, Dom Luís Filipe.

sábado, 13 de outubro de 2007

SILÊNCIO DA MÍMICA, DO CANTO E DO TEATRO



Nestes últimos trinta dias, três grandes artistas silenciaram para sempre, deixando viva, apenas, a arte de cada um deles.

Um deles, o mímico (mimo, para os portugueses) Marcel Marceau, fazia do silêncio dos gestos uma arte maior, transformava em suavidade os movimentos elásticos do corpo, em leveza, o peso do silêncio. Agora, até o silêncio silenciou...

O tenor Luciano Pavarotti não mais será visto nos palcos com a mímica de seu grande corpo aliada aos graves e agudos da voz, nem com a extensão tão bem por ele conseguida. O silêncio da voz.

Por fim, Paulo Autran, a delicadeza da força do ator, do poder do teatro. Autran um dia disse "Eu sou um homem de teatro, sempre fui, sempre serei um homem de teatro" (Liberdade, liberdade). O ator morreu, o teatro continua.

Três homens, vários adjetivos, três dons e uma só ARTE. Os homens já não estão entre os vivos, a arte de cada um deles, porém, sempre estará.

Mas não é a morte que devemos cantar e sim a vida. É à vida que devemos agradecer, tal como a poeta que diz no seu canto "Gracias a la vida, que me ha dado tanto! A vida que nos deu as artes de Marcel Marceau, de Luciano Pavarotti e de Paulo Autran e delas, artes no plural ,ou dela, a ARTE, no singular/coletivo, nunca seremos separados.

A vida continua e hoje voltou a chover em Brasília. A grama renasce, o ar cheira a umidade e os insetos voltaram a fazer a sua mímica nas luzes, a cantar o seu estranho canto de acasalamento, a interpretar para o seu parceiro a dança da procriação.

A chuva de hoje é vida e o sol que ontem brilhava em Brasília, também era vida.



Maravilhoso espetáculo é a vida!

ANDREAS SCHOLL



Comparar Andreas Scholl a Alfred Deller, talvez eu não chegue a tanto, mas afirmar que o considero o maior contratenor vivo, isso eu faço sem medo de errar.
Alemão de nascimento, Scholl estará completando 40 anos em novembro deste ano e, mesmo com o passar dos anos, a voz mantém a pureza das notas adquirida na juventude.

Em março de 2004, assisti a um concerto de Andreas Scholl na Igreja Jesuíta de Lucerna, Suíça, com peças de Vivaldi e de J. Sebastian Bach. Sem querer cair no exagero piegas do admirador inflamado, vivi naquela noite de fins de março um dos meus maiores momentos de êxtase musical. A beleza da cidade e o virtuosismo do concerto pertencem às minhas ótimas lembranças.



Ainda que as obras de Handel não estivessem no programa daquela noite em Lucerna, indico a interpretação, por Scholl, de "Ombra mai fu", onde a arte do contratenor atinge a plenitude. Mas não é apenas com Handel que Andreas Scholl nos oferece grandes momentos, cada obra por ele interpretada nos deixa a clara sensação do quanto o humano consegue ser divino.

Acessem e confirmem:
http://www.youtube.com/watch?v=AyRzsQdeakE


Para os que não o conhecem, sugiro a aquisição rápida de um dos seus muitos Cds.


Lucerna.