
Sem dúvida que eu também era alvo da discretíssima curiosidade de ambos, cada um a sua maneira. Vai ver era o terno de linho branco que ontem eu estava usando, ou o chapéu de palhinha que distraidamente eu havia deixado no espaldar da cadeira. Vai ver era eu mesmo, a minha solidão, que seria o motivo daqueles olhares furtivos que ela deixava escapar por cima da magazine que fingia ler e ele, por entre o verde do refresco de limão, que acabara de chegar.
Ontem, no salão do Parque Hotel, em Montevidéu, eu era feliz.
De repente, não mais do que entre o abrir e o fechar dos olhos - que uma leve sonolência fez ser um pouco mais demorado do que o habitual -, constatei que não havia mais mesas com toalhas brancas, nem hóspedes, nem garçons d’hôtel, nem aquela mãe com o filho de olhos de um verde acentuado pelo refresco de limão, que insistiam em tentar desvendar-me. O salão era o mesmo, mas as pessoas eram outras, eram homens e mulheres sóbrios, ministros de Estado negociando e debatendo questões comerciais e de política, sem o charme e o encanto dos antigos hóspedes. Perguntei a quem estava ao meu lado o



Quando estava meio indeciso se deveria tomar a direita ou a esquerda, resolvi seguir pela esquerda (sempre foi o meu lado predileto) e fui caminhando pela Avenida 18 de Julio, que todos sabemos a que evento deve o seu nome. Logo me certifiquei de que havia escolhido o bom rumo, já que por ela a cidade corria e deixava que as pessoas corressem. Cheguei à Praça da Independência, ao teatro Solis, à cidade velha, ao mercado antigo, ao cais do porto, à Montevidéu do século XXI, tranquila, mas moderna, sóbria, mas libidinosa.

Confirmei, então, que a manhã de ontem no Parque Hotel não havia sido mais do que um sonho, em um momento de cochilo, durante a reunião de que eu participava.Hoje, eu estou mais uma vez no salão que agora dizem ser “de conferências”, entre pessoas que negociam, que discutem, que trabalham e que não se importam se lá fora o sol brilha e reflete o seu brilho nas águas do Prata. Que pena, terei de esquecer o sonho!


continuava sobre a poltrona de cana-da-índia e que na mesa ao lado ainda estavam a jovem senhora inglesa e o filho, que já não bebia o refresco de limão, mas cujo verde continuava refletindo nos seus olhos curiosos, como se quisessem descobrir a razão do meu desaparecimento e do repentino regresso. O jornal, que agora estava sobre a mesa deles, trazia em sua primeira página a seguinte notícia “Yesterday, the former king of Portugal, Manuel II has passed away [...]. A triste notícia trouxe de volta o meu tempo! A triste notícia trouxe-me de volta ao meu tempo!
Que alívio, ontem não era um sonho!
É incrível como o verde consegue ser uma cor triste! Acho que, às vezes, o céu deveria ser verde e não azul e que o Parque Hotel deveria ter sido sempre o Parque Hotel!
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