Para meu desalento, não sou crítico de arte, nem entendo das técnicas da pintura, sinto-me, apenas, atraído por um determinado pintor ou por um quadro, passando, então, a ser fiel admirador da obra daquele artista ou de algumas telas em particular.
No dia 8 de novembro de 2008 postei uma crônica sobre um pintor recifense, cuja obra sempre me agradou, Mário Nunes. Nessa postagem, citei o fato de ter passado a minha infância, adolescência e parte da juventude admirando um quadro que os meus pais tinham em nossa casa da Rua do Cupim. A casa já foi demolida, o quadro, porém, permanece comigo e, ainda hoje, passo alguns momentos de solidão admirando as cores do Mestre Mário Nunes e a visão de um Recife que não existe mais: barcaças ancoradas nos cais de Santa Rita ou no cais do Apolo.
Na minha infância, entre os muitos passeios em família, um dos que mais me agradava era quando íamos ao cais de Santa Rita, só para ver a ponte Giratória abrir e fechar e as barcaças, lânguidas e monumentais, passarem tranquilamente rumo à murada do cais. Na minha imaginação infantil, as barcaças eram verdadeiras caravelas de séculos passados, transportando povos bizarros e mercadorias exóticas.
Quando uma delas despontava lá longe no mar, rumo à ponte que dava o sinal de que iria girar, eu sentia, na minha alucinação de criança, o cheiro de cravo-da-índia, de pimenta ou de cuminho, ouvia uma música desconhecida que tocava ritmos das mil e uma noites, e até enxergava piratas de perna de pau. Pobres barcaças do meu Recife! Naquela época, meados do século XX, quando muito elas transportavam parcos sacos de açúcar e passageiros menos favorecidos socialmente, que vinham de alguma cidade do litoral pernambucano tentar a sorte na capital.
Mas que as barcaças eram imponentes e belas, sem dúvida que eram, e que tinham cheiro de especiarias, lá isso tinham!
Não sei se Mário Nunes retratou muitas barcaças. Para meu gáudio, porém, ao menos uma eu sei que ele pintou e, há muito anos, é essa tela que ainda me faz sentir os cheiros do Oriente e ouvir o vozerio dos mercados de uma Arábia longínqua. Obrigado por isso também, Mestre Mário Nunes!
Há alguns dias recebi um comentário sobre a postagem de 8 de novembro de 2008 e o comentarista destaca o abandono e o esquecimento do Mestre por parte de nossas autoridades. Endosso e agradeço o comentário e, mais uma vez, reforço o apelo anteriormente feito para que as nossas autoridades não esqueçam o que temos de bom, não só na pintura, mas em muitas outras artes. Apelo para que promovam os grandes mestres do passado, porque com isso todos nós, que amamos a cidade do Recife, o Estado de Pernambuco, só teremos a ganhar.
Se as barcaças e tantos outros "momentos", fatos ou paisagens do Recife já não existem mais, que se mostre às novas gerações como era a nossa cidade no passado, não só nos postais que, felizmente, ainda existem, mas também pela arte dos mestres que retrataram épocas distantes.