Longe de mim ser crítico de política ou dos políticos, pricipalmente aqui no Lugar do Souto, pois esta não é a sua função.
Às vezes, porém, a saudade bate à porta de um lóbulo qualquer de meu cérebro e traz à memória pessoas, lugares, monumentos ou simples construções que exisitiram e que deixaram de existir, no curto período de uma vida humana, graças, apenas, à ação direta de alguns políticos.
Às vezes, porém, a saudade bate à porta de um lóbulo qualquer de meu cérebro e traz à memória pessoas, lugares, monumentos ou simples construções que exisitiram e que deixaram de existir, no curto período de uma vida humana, graças, apenas, à ação direta de alguns políticos.
No dia 23 passado, dando uma volta nostálgica pelo centro do Recife, mais precisamente pelas ruas do velho e abandonado bairro de São José, lembrei de que, há exatos 39 anos, a única igreja no Brasil inteiramente construída por escravos havia sido demolida. Refiro-me, é claro, à Igreja do Bom Jesus dos Martírios, reproduzida, no início e no fim da postagem, em pintura de Eliezer Xavier. A sua demolição deu lugar ao novo traçado da Avenida Dantas Barreto, onde eu estava naquele exato momento.
Para quem não conhece a história desse templo católico, a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírio foi instituída no ano de 1773, na Matriz de Nossa Senhora do Rosário da Vila do Recife, sendo constituída por "homens pretos e crioulos (ou pardos)". Em 1775, transferiu-se para a Igreja de Nossa Senhora do Paraíso, onde foi colocada a imagem do Senhor dos Martírios.
Tendo sido concedido o privilégio de uma procissão anual, surgiu a necessidade de a Irmandade ter uma capela própria para o culto do padroeiro. O templo foi, então, construído num terreno doado, em 1782, pelo sargento-mor José Marques do Vale e sua esposa Senhora Ana Ferreira, situado no extremo da Vila de Santo Antônio. Concluída a obra, a irmandade e a imagem do divino padroeiro foram para lá transladados. Desde o século XVIII, a procissão do Senhor Bom Jesus dos Martírios percorria as ruas do bairro de São José e algumas do bairro de Santo Antônio, na cidade do Recife.
Mesmo deixando de lado a conotação meramente religiosa daquela, ou de qualquer outra procissão - ainda que elas façam parte da tradição cultural de qualquer cidade cristã -, o que dizer do desaparecimento do pequeno templo do bairro de São José, em estilo rococó, construído por escravos angolanos, e que poderia ainda hoje ser um local vivo da história recifense, pernambucana e, por que não, brasileira? Tudo acabou no dia 23 de janeiro de 1973, porque assim o quiseram os homens que detinham o poder àquela época.
As cidades crescem e aos administradores públicos incumbe adaptá-las à evolução dos tempos, disto não restam dúvidas, mas modernizar não precisa ser sinônimo de destruir, posto que sempre existe a possibilidade de se aliar o progresso à história, à tradição, à preservação da memória urbana, à cultura de um povo.
Muito já se escreveu e muito mais já se falou sobre a absurda destruição, e não pretendo escrever mais sobre fato tão distante e irreversível. Pretendo, apenas, lamentar, como eu lamentei no dia 23 de janeiro de 2012, a ausência da Igreja do Bom Jesus dos Martírios e a presença, em seu lugar, da Avenida Dantas Barreto, pois o que a paisagem daquela tarde me mostrava em nada dignificava a história do meu Recife.