domingo, 6 de julho de 2008

BAILE NO PARQUE HOTEL*

(Continuação)
Depois de muito procurar, finalmente encontrei a máscara que comprara no carnaval de 1930, em Veneza, e que havia deixado em uma das gavetas do baú guarda-roupa, daí não a encontrar nos armários do quarto. Examinei-a cuidadosamente para ver o seu estado e, ao confirmar que ainda estava nova, joguei-a ao lado da roupa de soirée que a misteriosa camareira havia, tão cuidadosamente, colocado sobre a cama.
Naquele momento, voltei a pensar na mulher e nas estranhas coincidências que ela me relatara. Não é muito lógico que nunca tivéssemos visto no Parque Hotel - onde eu e minha família sempre nos hospedávamos - uma camareira natural de Pernambuco, que afirmava ter nascido em terras contíguas ao Engenho da Várzea, que nos pertencia há mais de 100 anos. Ainda por cima, a camareira dizia filha de um casal de criados dos meu avós! Estranho demais, sem dúvida! Coincidência demais, também! Decidi, portanto, que iria esquecê-la, pelo menos durante aquela noite, pois, como prometera a mim mesmo, queria concentrar a atenção na soirée dançante, onde, em segredo, comemoraria o meu natalício.

Entrei no “quarto de banho”, fiz a higiene pessoal, vesti o smoking, coloquei no rosto a máscara que, modéstia à parte, me ficava muito bem, às 20h58 em ponto, fechei a porta do quarto e saí para o baile. Desta vez, nem havia sinal de Alexandra of Leicester no hall do segundo andar, nem o ambiente estava envolvido pelo seu perfume, como que me informando que ela não passara por ali na última hora. O silêncio era absoluto, apesar da festa que iria em breve começar.

¿“Planta Baja, señor?” O ascensorista já estava com a porta pantográfica aberta e eu nem dera por isso. “Si, si, por favor”, respondi, enquanto ele fechava lentamente a porta.

O grande salão do Parque Hotel, tantas vezes vazio nos meus sonhos, estava quase repleto e ainda mais iluminado do que sempre estivera. Só lamento que, por respeito à privacidade dos presentes ao baile, nenhum fotógrafo o tivesse captado assim. Os criados de mesa movimentavam-se em ziguezague cadenciado, a orquestra afinava os seus instrumentos e as mesas já estavam ocupadas em mais de 50% do total, principalmente pelos convidados, pois os hóspedes, não sei bem por qual razão, sempre chegam tarde às festas dos hotéis em que se encontram.
O maître perguntou se eu era Don Anacleto Augusto de Albuquerque Brito Leão, hóspede do quarto 27 e, após confirmação, encaminhou-me à mesa de número vinte e cinco, enquanto tagarelava dizendo que, quando ao final da tarde de hoje eu havia feito a reserva, conseguira o último lugar disponível na mesa, quando, ao final da tarde fizera a reserva. Antes de me acomodar, perguntei com quem dividiria a mesa e ele, desdobrando a longa lista dos presentes ao baile, disse que seria com Sir Charles Northumberland, Cônsul-Geral do Reino-Unido, com a Condessa viúva Alexandra Mary of Leicester e com o seu filho Timothy, Conde de Leicester, hóspedes, por mera coincidência numerológica, do quarto 25.

Nem sei como o meu coração não saltou peito afora, tal foi a aceleração cardíaca ao ouvir os últimos nomes! Evitei demonstrar a emoção que me assomou o espírito e fingi ouvir com atenção enquanto ele explicava que - “normalmente, as mesas são ocupadas apenas pelas primeiras pessoas que as reservam mas, devido ao grande número de hóspedes do hotel e de convidados especiais para aquela noite, a gerência havia perguntado a quem reservara antecipadamente se permitiriam que lugares vagos fossem ocupados. No caso da mesa vinte e cinco, a condessa havia dado autorização de ocupar o quarto lugar, mas ressaltara a exigência de querer que só fosse preenchido por um cavalheiro e hóspede do Parque Hotel”.

Pensei, a princípio, ser mais uma coincidência ocorrida no sábado 9 de julho, mas logo refleti que todos sabiam ser eu o único hóspede do sexo masculino sem companhia na temporada de inverno do Parque Hotel. Portanto, não foi coincidência!


Antecipando-me aos demais ocupantes da mesa, comandei ao escanção uma garrafa de Veuve Clicquot Ponsardin 1920 e me deixei levar pelos primeiros acordes da orquestra que acabara de abrir o baile como o grande sucesso do ano de 1932, “My Sweet”, em arranjo do original interpretado por Louis Armstrong. Às 21h30, quase todas as mesas estavam ocupadas, mas eu continuava a ser o único sentado à mesa vinte e cinco. De repente, como se tivessem saído do nada, deparei-me com os companheiros de mesa à minha frente. Levantei-me quase que com um pulo, cumprimentei aos três formalmente (em inglês, é claro) e disse simplesmente ao me apresentar - “Anacleto de Brito Leão, de Pernambuco, Brasil”.

Não me perguntem os leitores desta narrativa o que se passou naquele exato momento, pois o turbilhão em que estava a minha mente, com a ajuda da primeira taça do champanhe que eu havia sorvido, impossibilitaram de guardar com precisão o que ocorreu. Alexandra estava de braço dado a um elegantíssimo senhor que logo deduzi ser o Cônsul-Geral do Reino Unido e Timothy, a um
passo atrás, estava déguisé de "El Zorro", com o detalhe de uma máscara dourada que ressaltava, de maneira indescritível, o brilhante verde escuro do seus olhos. Alexandra parecia vinda de outra época, de um passado de mais de trinta anos, trajando um vestido cor de rosa, cintado à moda da Belle Époque, com leque e máscara de plumas brancas*. Se o traje era mesmo esse, já não posso afirmar, s
ó o que sei é que ela estava linda como eu nunca dantes havia visto outra mulher! (Com o devido respeito por Alaíde, tão longe, em Pernambuco).

Naquele exato momento, a orquestra começou tocando outro sucesso dos últimos tempos, “I can’t believe that you’re in love with me”:

http://www.youtube.com/watch?v=ykP8Wtcg86w

A terceira coincidência do dia 9 de julho de 1932, véspera do meu aniversário de quarenta anos!
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*até parece que eu escrevo sobre o mesmo tema de um tal Raoval Berior, cronista social quase desconhecido do Recife, mas que faz algum sucesso - pasmem - com notas jornalísticas sobre o vestuário das senhoras e senhorinhas e sobre eventos mundanos da capital pernambucana, sempre com alfinetadas sobre as pessoas da sociedade! A que ponto chegamos e a que ponto chegou o nosso jornalismo!.
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*Continuação das memórias de Anacleto Augusto de Albuquerque Brito Leão, postadas em 27 de outubro, 3 e 11 de novembro de 2007 e 23 de fevereiro de 2008.

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