sábado, 13 de setembro de 2008

ANGES DE FLAMME ET DE GLACE - Pièce de théâtre



"[...] L'arrivée de Rimbaud en enfer".

"Rimbaud : La lune blanche luit dans le bois. De chaque branche part une voix sous la ramée… Ô bien-aimée ! L’étang reflète, profond miroir, la silhouette du saule noir où le vent pleure… Rêvons, c’est l’heure. Un vaste et tendre apaisement semble descendre du firmament que l’astre irise…"

Verlaine: Pâle étoile du matin, tourne devers le poète [...]".* a partir daí, inicia a narração de parte da vida e da obra de Rimbaud, patrimônios espiritual e cultural da humanidade.

No dia 30 de agosto passado fui ao Recife, entre outras coisas, para assistir, à estreia da peça de Moisés Neto. Confesso que não me arrependi. Revi amigos que não encontrava há muito tempo e tive, ainda, algum tempo para refletir, debaixo de uma árvore do fruta-pão toda florida, sobre os Rimbauds, Verlaines, Mathildes e Vitalies existentes em cada um de nós.

Por fim, fiquei feliz com o resultado que o diretor de “Anjos de Fogo e Gelo”, o consagrado José Francisco Filho, atingiu com o bizarro texto colocado em suas mãos. Trabalho muito difícil, tenho a certeza. O texto, como podem deduzir da abertura, é uma coletânea de poemas de Rimbaud e de Verlaine, juntamente com uma descrição livre, feita pelo autor, de fatos da vida dos dois, incluídos para facilitar a compreensão dos espectadores Os poemas também foram livremente adaptados à prosa, tentando tornar o texto mais acessível
.


Sempre foi dito que tanto ao dramaturgo, quanto ao poeta, se deve consentir liberdade de espírito e de texto e Moisés Neto, autor da peça Anjos de Fogo e Gelo, usou e abusou dessa liberdade
.
A fala inicial, reproduzida no início desta crônica, é um trecho da magistral “La Lune Blanche”, do poema “La Bonne Chanson”, de Paul Verlaine, colocado na boca de Arthur Rimbaud. O autor da peça imaginou o momento de uma suposta chegada do poeta ao inferno e,
Se o resultado está sendo conseguido, deixo a resposta ao público e à crítica.

O diretor, esse sim, deve ter feito das "tripas coração” para prender a plateia - como de fato prende - durante a quase uma hora de duração da peça, já que Rimbaud, o poeta, é denso e Arthur, o homem, complexo demais, para serem - poeta e homem - facilmente compreendidos pelo público do meu querido Recife, nem sempre aberto à poesia, ao teatro ou a comportamentos humanos.

De minha parte, mesmo não sendo crítico teatral, captei uma certa insegurança dos protagonistas masculinos, o que é bastante natural em estreias "impactantes", talvez fruto do receio natural da reação que o texto e as marcas poderiam gerar nos assistentes. Receio desnecessário, ao menos na estreia de 30 de agosto.

Considero um dos destaques da peça - não sei se fruto do texto criado pelo autor, se do trabalho do diretor - a força das duas mulheres presentes no palco,
Vitalie, mãe de Arthur Rimbaud e Mathilde, mulher de Paul Verlaine, que conseguem ser protagonistas de uma narrativa na qual seriam coadjuvantes.

Mathilde, numa excelente interpretação de Stela Maris Saldanha, conduz linearmente todo o texto, tornando-se o elo de ligação entre as narrativas. Graças à atriz, o texto ficou bem mais fácil para os leigos.

Vitalie, também muito bem interpretada, transforma em momentos de comicidade a dispensável maldade que lhe tentaram atribuir. Discordo, data venia, de quem pensou mostrar Vitalie Rimbaud como uma pessoa amarga, ambiciosa e cruel na relação com o filho. Vitalie era uma mulher da burguesia rural do interior da França na época de Napoleão III, no rígido século XIX. O filho era um gênio, que poderia ter nascido em qualquer lugar, ou em qualquer época. Impossível, portanto, para uma mulher comum como Vitalie, entender as idiossincrasias de Arthur sem as criticar, aceitar os seus atos, sem se magoar e conviver com excentricidades, sem as recriminar. Daí, porém, a ser uma mãe sem amor, só interessada, anos mais tarde, nos lucros nascentes de Le bateau Ivre e dos demais poemas, eu não concordo. Ainda bem que Ivonete Melo conseguiu minimizar (mostrando ingenuidade) a suposta ambição de Vitalie Rimbaud.

A música (muitíssimo bem escolhida) e a iluminação completam o texto e a direção. Parabéns ao autor, ao diretor, aos quatro atores e a toda a equipe, que estão levando ao Recife um momento mágico da vida de pessoas mágicas, em um espetáculo que poderá alçar voos ainda mais altos.

Às pesoas que estiverem no Recife e leiam esta postagem, sugiro que vão ao Teatro Barreto Júnior e apreciem o espetáculo, pois vale a pena sim senhor.





Por puro diletantismo, para matar o tempo, resolvi colocar o texto de Moisés Neto no idioma materno dos quatro personagens. Tarefa difícil devido ao "melting pot textual" que ele é. Tenho me distraído bastante e o “trabalho” tem contribuído para que eu possa melhor conhecer a obra dos dois poetas. O título em francês - "Anges de Flamme et de Glace" - não é meu, mas emprestado de Arthur Rimbaud, mesmo assim, por se tratar da versão em outro idioma de uma obra teatral, é bom estar registrado (na versão em francês, é claro), para evitar constrangimentos ulteriores.


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*Início do texto em francês de "Anges de Flamme et de Glace".

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