domingo, 5 de abril de 2009

CORRESPONDÊNCIA EM TEMPOS PASSADOS


Como eu gostava do tempo em que as pessoas se comunicavam por carta! Sim, carta mesmo, escrita em papel pautado (próprio para correspondência) que, antes de ser enviada, era "bem fechadinha" dentro de um envelope, normalmente com as cores do país de procedência. Durante toda a minha infância, adolescência e parte da juventude a pessoa mais ansiosamente esperada em nossa casa era o carteiro, aquele homem uniformizado (no Recife se diz "fardado") que trazia notícias de pessoas distantes (nem sempre tão distantes assim).




Sou filho de portugueses e receber cartas era uma rotina para a nossa família, sendo que as da vovó para mamãe eram as mais importantes, já que as cartas da família de meu pai iam para a loja e não para a nossa residência, na Rua do Cupim. Não recordo se eram duas por mês ou uma a cada vinte dias, mas sei que a troca de correspondência entre mãe e filha era muito frequente. Quando chegava a altura de minha avó escrever e o carteiro não aparecia com a carta, mamãe começava ficando impaciente e, principalmente, preocupada. A preocupação dela terminava passando para todos nós e eu, em criança, sempre achava que, um dia ou outro, notícias ruins viriam. Ainda bem que elas nunca vieram, pois a saudosa vovó só nos deixou quando eu já tinha mais de quarenta anos (e ela, quase 102) e as "titis" portuguesas faleceram todas depois dela, quando as notícias más já não eram enviadas por telegrama e, muito menos, por carta.
Um dia, no Colégio São Luís, onde eu estudava, apareceu um quadro com endereços de "brotos" de quase todo o mundo que pretendiam trocar correspondência com garotos brasileiros da mesma faixa etária delas (14, 15 anos) e eu escolhi, ao acaso, quatro nomes que estavam no quadro, duas garotas dos Estados-Unidos, uma da França e outra da Polônia, país, à época, na misteriosa "Cortina de Ferro".

Feita a escolha, trouxe os endereços para casa. Na aula particular de inglês, aos sábados de manhã com Mrs. Sterling, britânica típica e maravilhosa, que ensinava a língua materna a toda a Rua do Cupim e arredores, redigimos a carta de apresentação, decidindo que a primeira seria para Rosemary Hinebrook, americana de Highland Park, Michigan. Guardei uma cópia da carta, para não ser repetitivo (nem me contradizer...) e, no dia seguinte, às 15:05h, fui pessoalmente aos Correios e Telégrafos da avenida Guararapes postar aquela que era a primeira carta só minha e não da família. Jamais um ato tão importante seria confiado a outra pessoa, que não a mim próprio.
A partir daquele dia, esperar pelo carteiro deixou de ser apenas um hábito e passou a ser quase uma obsessão.
A carta para o idílico Estados-Unidos foi a primeira de uma longa amizade, graças ao carteiro que me trouxe muitas outras, algumas perfumadas e com fotos coloridas. Rosemary e eu fomos pen friends por quase 10 anos, mas depois a correspondência foi escasseando até parar e nunca mais eu soube dela, nem com a ajuda da moderna Internet.
A seguir àquela primeira carta, enviada em 1961 ou 1962, muitas e muitas outras foram escritas e recebidas. Cartas de amor, cartas de amigo, cartas de nem um nem outro, mas sempre ansiosamente esperadas. Quando a correspondência não chegava, eu reclamava dos correios ou do carteiro, mas no dia em que, lá dentro de nossa casa, alguém ouvia o grito, misto de voz de tenor com barítono, "Correiôôôô", os corações batiam mais forte e toda a raiva sentida pelo simpático carteiro era esquecida e ele, o herói do dia.

Claro que hoje ainda há cartas, carteiros e correspondência, mas que tudo mudou, lá isso
mudou! A ansiedade deixou de existir, não há mais tempo para esperar nada nem ninguém. Os carteiros, agora também com mulheres exercendo a profissão, só trazem contas a pagar e publicidade não pedida, nem desejada. O correio tradicional está sendo substituído pelo correio eletrônico, insípido, que não provoca ansiedade e, o que é pior, faz mal à vista.

Não me emociono mais ao receber e-mail e até os de amor, que são raros, perderam o romantismo. O que eu queria mesmo era continuar esperando o carteiro e ouvindo o seu pregão apregoado com tanta galardia: "Correiôôôô".

Um comentário:

Fernando Lisboa disse...

Excelente esta crônica!Como ela remeteu-me à minha já longínqua juventude.Como realmente era bom esperar o grito do carteiro!Como era maravilhoso ir ao prédio dos Correios e Telégrafos, na outrora charmosa Av. Guararapes,e lá mesmo,sentado nas mesinhas próprias há época existentes, escrever nossas mensagens,após haver adquirido na calçada do edifício as folhas do papel fino e o envelope verde-amarelo. Lembro-me que eu vibrava ao finalizar e dobrar a correspondência, escrever o endereço do destinatário no sobrescrito e fechá-lo com uma gostosa lambida.
E os selos? Detestei quando começaram a aparecer aquelas máquinas substitutas. Eu só queria eles...e quanto o valor menor melhor, principalmente se a carta ia para o estrangeiro, pois sempre achei lindo enviar, e receber, envelopes cobertos de estampilhas. Hoje, temos só a praticidade, mas sem o romantismo e o aceleramento de coração.PARABÉNS, Fernando Lisboa.