sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PÉRICLES, O AMIGO DA ONÇA E O FIM DO ANO DE 2010

Escolhi temas em excesso para o título desta postagem: um cartunista recifense, o seu personagem ilustre e reflexões sobre o último dia de um ano (no caso, 2010) do calendário gregoriano, mas prometo que serei breve sobre cada um deles.

Será que alguém recorda que neste 31 de dezembro, há exatos 49 anos,  ocorreu a trágica morte de Péricles de Andrade Maranhão? Faço outra pergunta, será que alguém, com menos de 49 anos, recorda-se de  Péricles?  No Brasil de hoje, de curta memória histórica, tenho dúvidas de que ele seja lembrado como o deveria ser e, sinceramente, lamento esse esquecimento.

Péricles nasceu em 1924, na cidade do Recife, no bairro do Espinheiro, que é contíguo ao bairro das Graças, no qual eu nasci, sendo esta a única coincidência entre nós.  Não sou desenhista, nem nunca tive o dom da comédia crítica, mas sei reconhecer um grande artista e o traço de Péricles é o reflexo  de um grande cartunista. Muito cedo,  Péricles foi para o Rio de Janeiro e, entre os anos de 1943 e 1962 (um ano depois de sua morte), a figura criada por esse gênio pernambucano estava presente em todos os fatos e piadas da época. 

No dia 31 de dezembro de 1961 o cartunista resolveu, aos 37 anos, dar fim à vida, por razões que não nos compete julgar. Ligou o gás, deixou um bilhete dizendo "Para mim, basta" e outro à porta pedindo para não riscarem fósforos e pronto... partiu dormindo. A solidão foi a causa do seu gesto e o "Amigo da Onça"  o seu algoz, já que Péricles não conseguia se libertar do fato de ser conhecido apenas como o seu autor. A criatura matou o criador, mesmo sem o querer fazer. Quem sabe se essa não foi a última maldade de "O Amigo da Onça"?

Gostaria de prestar a minha homenagem a Péricles e deixar aqui o meu manifesto para que as autoridades competentes de Pernambuco, em especial as da cidade do Recife, no ano de 2011, que já está  batendo à porta, não se esqueçam de homenagear os 50 anos do desaparecimento desse nosso conterrâneo ilustre, que ocorrerá a 31 de dezembro. Aproveitem a data, para promover, durante todo o ano, eventos sobre o autor e sobre a sua obra, inclusive os primeiros desenhos publicados no "Diário de Pernambuco".

É com essa nota que termino o ano de 2010, mais um dos muitos já festejados, de uma maneira ou de outra,  nas cidades onde vivi. Recordo, nem sei porque razão, que há 40 anos eu estava muito feliz numa gelada e colorida Paris. Que saudade daquele dia e daquela companhia!


Poderia, ainda,  falar de muitas coisas, inclusive da "Senhora Solidão", que levou Péricles tão jovem e que, a cada ano que passa, é companheira (será que solidão pode ser companheira?) de mais seres humanos, no Recife, no Brasil e um pouco por toda a parte. 


O dia 31 de dezembro, porém,  é dia de reflexão, de abraços, de companheirismo, de alegria e de promessas, não deixemos que ele seja um dia de solidão.

FELIZ 2011.
Todas as fotos e desenhos desta crônica estão livremente disponíveis na Internet.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A GRAND-PLACE DE BRUXELAS NO INÍCIO DE UMA NOITE DE OUTONO



No século X, os Duques de Basse-Lotharingie construíram uma fortificação numa ilha do rio Senne (não é o rio Sena, de Paris) que deu origem à cidade de Bruxelas. No final do século XI, perto desse castelo-fortificação, surgiu um mercado (ou feira) a céu aberto denominado “Mercado de baixo" (ou "Mercado Inferior"). Passaram-se os anos e os séculos e o mercado tornou-se o centro do comércio de Bruxelas. Nos séculos XV, XVI, XVII  e XVIII o local foi, aos poucos, sendo transformado com a construção de maravilhosos monumentos arquitetônicos. No século XVII, o Rei Luís XIV da França bombardeou a praça, mas, depois de ter sido reconstruída, ela ficou ainda mais bela e monumental.



Após algum tempo, o local ficou conhecido por “La Place du Grand-Marché” ou “La Grand-Place".

Todos os que acompanham os textos do "Lugar do Souto" sabem que eu gosto muito de Bruxelas, cidade que faz parte de minha vida há mais de 25 anos e onde morei entre maio de 1999 e novembro de 2004. Gosto sim e agradeço à vida que, entre o tanto que me tem dado, oferece a chance de vir a Bruxelas várias vezes ao ano. Apesar dessa ligação com a cidade e de várias crônicas postadas a seu respeito, nunca citei a Grand-Place, patrimônio cultural da humanidade e um dos lugares mais visitados da Europa.

Nesta postagem, preferi falar pouco da Grand-Place, de indescritível beleza (mais bela ainda ao anoitecer) e, apesar das falhas do fotógrafo amador que sou, decidi postar fotos mostrando, inclusive, a árvore do próximo Natal pronta para ser decorada, além de algumas outras, com detalhes desse património da humanidade.
 
Resolvi aproveitar o fato de o trabalho ter acabado mais cedo para, no fim da tarde de hoje, dia 17 de novembro de 2010, ir passear pela Grand-Place de Bruxelas e, ao mesmo tempo, dar um "até breve" ao centro da cidade. 

Comecei o passeio solitário degustando dois croissants na Patisserie Paul, só para fazer inveja a uma amiga do Recife. Imaginem os leitores, que essa minha amiga, quando veio a Bruxelas, na Primavera deste ano, fez "biquinho" e não  quis conhecer as iguarias dessa padaria/pastelaria francesa, só porque estava chovendo e, por preguiça de sair do hotel, ficou assistindo filmes na televisão. Ela não sabe o que perdeu naquele dia! Mesmo assim, vou levar um croissant para ela...

Prestem atenção na composição dos edifícios e nos detalhes de cada um deles. De minha parte, quanto mais visito a Grand-Place, mais me sinto extasiado por sua beleza.

                 

Não estarei em Bruxelas no Natal de 2010, mas sugiro virem até aqui (quem tiver tempo e puder), pois a beleza do local compensará o frio que, sem dúvida, estará fazendo na noite de 24 de dezembro.


Espero voltar em breve!

domingo, 19 de setembro de 2010

PAREDES DE BRUXELAS INSPIRADAS NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (BANDA DESENHADA)


Pois é, ainda que não pareça, a foto acima é da fachada lateral de um prédio no centro de Bruxelas.

Como todos os que acompanham as postagens deste blogue já devem ter percebido, sou apaixonado por Bruxelas, onde hoje me encontro. Resolvi, então, aproveitar o domingo de finzinho de verão, com frio de outono, para passear pelas ruas da cidade, câmera em punho, tirando fotos das famosas paredes coloridas com desenhos inspirados nas histórias em quadrinhos, uma paixão nacional.

Nada mais agradável do que passar quase um dia inteiro à procura das famosas paredes e, quando se pensa que tudo está visto, depara-se com outro muro, parede ou porta de loja reproduzindo um trecho de alguma história em quadrinhos (banda desenhada, como chamam os portugueses).

A capital do Reino da Bélgica, hoje também capital da União Europeia, sempre foi um centro de difusão de histórias em quadrinhos, bastando apenas lembrar o famoso "Tintin", quase um herói nacional, que se encontra por toda a parte, reproduzido em desenhos ou em bonecos para serem vendidos. A cidade tem, inclusive, um museu da história em quadrinhos.

Um dos passeios mais apreciados, tanto pelos turistas, quanto pelos nacionais, que gostam dos "quadrinhos", é percorrer a cidade a pé, fotografando cada um dos murais que encontra (ao todo, mais de trinta). Como sou preguiçoso, preferi percorrer apenas as ruas do centro e algumas do Maroles (bairro típico já referido outras vezes), deixando as mais afastadas para outra ocasião.


A maioria das reproduções são de alta qualidade e o passeio vale a pena. A obsessão dos belgas pelos "quadrinhos" chega até à reprodução em portas de armazéns ou depósitos abandonados de histórias mais atuais e menos conhecidas, com pinturas de gosto duvidoso.

Deixo aqui algumas das fotos que fiz esta tarde, juntamente com um convite a quem vier a Bruxelas: aproveitem tudo de bom que a cidade tem a oferecer, inclusive as paredes com reproduções dos desenhos das histórias em quadrinhos (banda desenhada).
Atendendo a um pedido expresso, incluo o mural abaixo com o famoso TINTIN. É pena que a foto não esteja muito nítida, pois foi feita ao final do dia e a luz não ajudou.


Termino esta crônica com uma vista que colhi dos telhados de Bruxelas, que também são uma atração para os que visitam a cidade.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

3º ANIVERSÁRIO

Chegamos ao dia 16 de setembro de 2010 e ao terceiro aniversário do "Lugar do Souto".  Reconheço que tenho andado um pouco distante das postagens e daqueles que acessam este blogue.
Nem de longe, porém, pretendo deixar de recordar o passado, comentar o presente e, de certa maneira, prever o futuro, como vem sendo feito desde o dia 16 de setembro de 2007.

Muitas vezes, a dura realidade nos impede de sonhar como gostaríamos de o fazer e os arremedos de crônicas que insiro no Lugar do Souto são os sonhos que gosto de ter. Prometo, portanto, principalmente a mim mesmo, que continuarei, por mais alguns anos, sonhando os meus sonhos possíveis e impossíveis e compartilhando esses sonhos com os que me honram com a sua leitura, enquanto, é claro, sonhos eu tiver para contar.


Parabéns LUGAR DO SOUTO.
  

terça-feira, 29 de junho de 2010

O DIA DE UM MENINO QUANDO O BRASIL FOI CAMPEÃO DO MUNDO DE FUTEBOL


* Hoje, dia 29 de junho de 1958, mesmo sendo domingo e estando de férias, acordei mais cedo do que o habitual, porque, além de ter de ir à Missa das 8:00h, na Capelinha dos Aflitos, acompanhando mamãe e minha irmã, dois grandes eventos iriam ocorrer. O primeiro, era a transmissão, às 10:00h, da final da Copa do Mundo de futebol, diretamente da capital da Suécia. A Copa do Mundo deste ano serviu, ao menos, para eu memorizar, e nunca mais esquecer, que a capital da Suécia é Estocolmo e que o rei de lá se chama Gustavo Adolfo.




Meu pai e meu irmão, bem cedo, prepararam as cadeiras em torno do potente rádio Phillips, que temos no terraço dos fundos. Antes das 7 horas, os dois trouxeram o rádio da sala, ligaram a antena para melhorar a qualidade da recepção, confirmaram que estava excelente, e penduraram uma bandeira do Brasil na parede atrás do rádio.

O segundo evento era a quadrilha que iria dançar esta tarde, na matinê da festa de São Pedro, do Clube Português do Recife. A minha estreia na quadrilha foi na terça-feira passada, na matinê de São João, tendo como par uma menina aqui da Rua do Cupim, chamada Margarida, que faz o meu coração palpitar aceleradamente quando seguro a sua mão para dançarmos o comando do “alavantu” (o meu professor de francês disse que o correto é “en avant tous”). Sem dúvida, segurar a mão de Guida, em qualquer momento da quadrilha, é mais importante para mim do que a decisão do campeonato de futebol, mas, mesmo assim, estava, também, ansioso para escutar o jogo.

Depois de sair da cama e de, rapidamente, fazer o asseio matinal, corri para o quintal, onde o meu pai, entretido, colhia os frutos maduros de um único cafeeiro que ele plantou e que, este ano, floresceu e manteve uma quantidade suficientemente boa de frutos para preparar, depois de secos, ao menos um bule de saboroso café. - “Saia do quintal, menino, para não sujar a roupa antes da Missa”, gritou mamãe da porta da cozinha, quase ao mesmo tempo em que papai, num tom bem mais baixo, dizia -“Não ligue para o que a sua mãe está dizendo e segure a escada, enquanto eu subo para tirar os frutos que estão nos galhos de cima”. Com tantos comandos desencontrados, como saber a qual (ou a quem) obedecer? Seja como for, depois que o meu pai desceu da escada, entrei em casa e já me preparava para comer um pedaço de canjica, que Maria havia feito na véspera, quando ela me repreendeu -“Tire a mão daí, que você não pode comer nada antes da Missa, porque sua mãe me disse que iam todos comungar”. Não é que eu havia esquecido!

Embora a Capelinha fique muito perto aqui de casa, mamãe gosta de sair cedo, para sentar num bom lugar, longe da porta de entrada. No caminho, não se falou em Copa do Mundo, nem na quadrilha de São Pedro, pois a conversa de mamãe era só sobre o Papa Pio XII, que está bastante doente. Enquanto caminhávamos, explicou que a comunhão de hoje seria em intenção de uma rápida recuperação do Santo Padre, mas que ela não acreditava muito nisso, pois as notícias da saúde do Papa não são nada promissoras. Pensei, então, que em breve teremos mais um santo no Céu que, quem sabe, poderá fazer o milagre de Guida prestar mais atenção em mim do que em Marcelo, que é o par da filha de dona Leda. Eu soube por Marcelo que Guida está "arriada dos quatro pneus" por ele, que nem adianta eu tentar nada, mas vou tentar, nunca se sabe o que se passa no coração de uma menina de 10 anos. Ao entrar na Capelinha eu já estava decidido que, quando as férias acabarem, iria rezar três Ave Marias na igreja nova do Ginásio São Luiz, pedindo o milagre do primeiro amor, nem que seja para ele acontecer só na quadrilha do ano que vem, quando eu já estiver com 12 anos.

Voltamos da Missa e, mal acabei de tomar café, o jogo começou. Que tragédia, eu ainda estava comendo a canjica que não me tinham deixado comer mais cedo e a Suécia fez o primeiro gol! Papai disse que o gol foi de um tal de Liedholm, quatro minutos depois de o jogo começar e que Gilmar não teve como defender. Meu irmão, como de costume, chamou dois ou três palavrões e levou um tremendo puxão de orelha de mamãe, mandando que ele fosse lavar a boca. A minha irmã estava radiante com o puxão de orelha que ele acabara de levar e nem ligou para o gol sueco, vaticinando que iria se repetir o mesmo da Copa de 1950. Chegou até a dizer que a culpa de tudo era do uniforme azul, em lugar do tradicional amarelo, que a nossa seleção estava hoje usando -“Não adiantou de nada Feola dizer que azul é a cor do manto de Nª Srª Aparecida, porque santo não faz milagre em jogo de futebol”, continuou ela dizendo, sendo, de pronto, repreendida por nossa mãe com um solene - “Cale já essa boca"!

Nesse meio tempo, saí de fininho do terraço e fui ver se Maria e dona Maria já tinham acabado de fazer o pé de moleque, que estavam preparando desde cedo, para que eu pudesse raspar a forma. Enquanto eu degustava, nos dedos, o último bocado da massa do bolo, dona Maria me chamou e disse  - “Se importe não, meu fio, que o Brasil vai ganhar; basta ocê prometê que vai jogar três batatas para o Céu, pra dar de comê pros santos”. - Não entendi bem a promessa, mas prometi.

O 1º tempo ainda não tinha acabado e o pernambucano Vavá, natural do Recife, da Vila dos Bancários, aqui bem pertinho, já tinha metido dois gols. Goool! Gool de novo, era o que se ouvia por todos os lados. No intervalo, corri para o quintal e perguntei a dona Maria se já podia jogar as batatas para o céu, ela disse que não, que eu tinha de esperar o apito final, mas, por garantia, teria de aumentar a promessa de três batatas, para cinco. Prometi de novo, entendendo menos ainda, principalmente porque as batatas iriam ficar todas molhadas, com a chuva que estava caindo. Começou o 2º tempo, outro gol brasileiro, - "De um menino de apenas 17 anos", dizia papai cheio de orgulho, - "Pelé é o seu nome". Mais outro, do veterano Zagalo, seguido de um gol da Suécia, que não incomodou ninguém. Que belo resultado, 4 a 2 para o Brasil. No finalzinho, quando seu Adalberto já estava soltando os foguetes, o menino, o tal de Pelé, marca o 5º gol do Brasil. Somos campeões do Mundo por 5 a 2. “A Copa do Mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa. Êh eta esquadrão de ouro, é bom de bola, é bom de couro".




Corri para o fundo do quintal e, na porta da garagem, dona Maria já me esperava com 5 batatas na mão, que teriam de subir para o céu e dar de comer aos santos. Joguei e nunca mais vi as batatas! Algum santo comeu!


Voltei para o terraço ainda a tempo de ouvir o locutor dizendo que aquele era um dos momentos mais bonitos e emocionantes de sua vida, o Brasil, campeão do mundo de futebol e Bellini, o capitão de nosso time, levantando bem alto a taça Jules Rimet, que agora viria para o Brasil. O radialista disse, ainda, que o gesto de Bellini, levantando a Jules Rimet acima da cabeça, foi para atender aos pedidos de alguns jornalistas brasileiros, que não conseguiam fotografar o capitão com a taça, porque os estrangeiros eram mais altos e estavam na frente. Que pena que ainda não temos televisão no Recife para ter visto esse gesto de Bellini! 

Almoçamos, descansei um pouco e, às três e meia, fomos felizes para o Clube Português, dançar quadrilha e comer mais canjica. Nunca dancei tão bem e, milagre ou não, na tarde de hoje, Guida segurou mais firme a minha mão e nem olhou para Marcelo, que quase brigou comigo, achando que a culpa era minha. Será milagre de São Pedro ou do Papa Pio XII, que ainda não morreu e que, portanto, não é santo? Vá lá eu saber!

Agora, vou dormir, são nove horas da noite e amanhã quero recortar todas as fotos que vão sair nos jornais e colar tudo neste caderno de desenho, junto com esta folha de papel, que agora termino de escrever. Boa noite!
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* Cascavilhando os meus alfarrábios, encontrei o texto acima, rascunhado, com letra infantil, em um caderno de anotações desgastado pelo tempo. Quem sabe se o pasquim “Memória”, da “Editora Imaginação”, ambos várias vezes citados neste blogue, não irá se interessar pelo texto?

sábado, 19 de junho de 2010

A FOGUEIRA TÁ QUEIMANDO EM HOMENAGEM A SÃO JOÃO

 












 A última prova escrita do primeiro semestre de 1957 havia terminado e, provavelmente, eu fizera uma bom teste, porque ainda hoje recordo a euforia com que saí do Ginásio São Luiz e vim para casa, numa época de poucos perigos nas ruas,  de tranquilidade, de quase nenhuma violência urbana. O único cuidado que eu tinha de ter era ao atravessar a rua Amélia, porque, além dos carros em disparada, nenhum dos perigos modernos rondava a minha inocência infantil. 

A minha excitação e alegria eram visíveis. Naquele tempo, sem nenhum motivo particular, eu preferia as férias de meio do ano às férias grandes, que se estendiam do final de dezembro até o início de março. Pensando bem, acho que a preferência era porque,  em junho/julho,  a minha família não saía da Rua do Cupim e, desse modo, eu podia ficar em casa lendo um monte de gibis, ou de Cinelândias e Filmelândias. Ao fim da tarde, depois do banho, eu ia para a rua, brincar de "dono de calçada", "garrafão", "pega", "lacochia" e outros jogos tão comuns à época.


Era o dia 23 de junho e eu tinha de correr para chegar cedo em casa e separar a lenha com que iríamos fazer a fogueira. Já passava do meio-dia quando dobrei a esquina da Rua do Cupim e, correndo, entrei em casa,  - "Maria, Matilde, cadê a madeira velha que papai mandou separar para queimar de noite?" Pobre Maria, pobre Matilde, tinham de parar os seu afazeres e virem correndo para o quintal, mostrar àquele mini ditador a lenha já separada, que incluía de tudo um pouco, troncos secos de alguma árvore cortada, pernas de uma mesa ou  de uma cadeira quebradas e até os tacos inservíveis para jogar hóquei que o meu irmão, fugindo ao habitual, havia ofertado para ir ao fogo. 


- "Pronto, agora que já viu qual será a madeira que vai pr'o fogo, vá tomar banho e, depois, trate de almoçar  bem, porque lá pelas 3  horas vamos começar armando a fogueira", dizia Maria, na sua função de ama zelosa e no exercício constante da maternidade, mesmo sem ter sido mãe de filhos do seu próprio ventre. Que saudade de Maria! Obedecendo ao comando, e sob o controle de minha mãe, fui tomar banho e já estava à frente da mesa quando papai e o meu irmão chegaram para o almoço. 


O enorme pacote com os fogos que seriam queimados à noite, comprados no Bazar Caramuru, na rua da Concórdia, foi guardado cuidadosamente e eu estava proibido de chegar perto daquele incendiável embrulho. Durante o almoço, a minha irmã só falava no concurso de Miss Brasil, ocorrido na noite anterior, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, que dera a vitória a uma lindíssima amazonense, de origem lusitana, tal como nós, chamada Terezinha Morango. O Jornal do Commércio e o Diário de Pernambuco traziam uma foto com a nova Miss Brasil  ao lado da segunda colocada,  a candidata de Minas Gerais, onde se atestava a superioridade da beleza de Terezinha Morango. Meu pai já estava intimado a comprar a "Manchete", que deveria sair em breve com todas as fotos do concurso.


O meu irmão, por seu lado, ainda não se cansara de falar sobre a classificação do Brasil para a Copa do Mundo de 1958.  Em abril daquele ano de 1957, a nossa equipe, primeiro, com um empate, depois, com uma sensacional vitória, ambos contra o Peru, conseguira a tão almejada classificação. Ele e o papai se questionavam, então, sobre o que iria acontecer um ano mais tarde, em junho de 1958: -"Será que iremos conseguir suplantar a força alemã, campeã do mundo?" -"E a Suécia, jogando em casa, como irá se comportar?"  A minha mãe nada dizia, apenas escutava, como era o seu hábito. Eu não tinha vontade de comer e não me importava com misses ou com futebol, queria mesmo era armar a fogueira em homenagem a São João. 


De repente, a meio do almoço, ouço um grito de Matilde, - "Corra Maria, venha me ajudar a tirar a lenha do quintal porque vai começar chovendo". Minha mãe não teve tempo de dizer - "Acabe de comer, menino" - e eu já estava no quintal, ao lado de Maria, Matilde e dona Maria (filha de escravos, idosa e corpulenta, que era a lavadeira da casa ), recolhendo a madeira exposta e guardando na garagem. "Santa Clara clareai, peça a Deus que faça sol. Vai chuva vem sol" era entoado pelo quarteto, com dona Maria rezando estranhas orações, enquanto pitava o seu cachimbo. E o sol, com a ajuda de Santa Clara, voltou a brilhar na cidade do Recife, naquela véspera do dia de São João.


A tarde havia sido de trabalho intenso, mas o resultado obtido enchera a todos de orgulho. A fogueira estava pronta com as bandeirinhas colocadas em volta, os balões coloridos já estavam pendurados nos galhos da goiabeira e do frondoso sapotizeiro, e até o cágado já fora preso no quarto dos fundos, para não fugir pelo portão ou, quem sabe, derrubar a nossa fogueira. O gato angorá, de nome "Kiss," fora cuidadosamente trancado no quarto da minha irmã. "Menininho", o cachorro da família, já tentara fazer pipi na armação que sustentava a fogueira, mas dona Maria, vigilante, reprimira o  obsceno ato com uma varinha que sempre tinha à mão. Pobre Menininho, recolheu-se ao terraço e conseguiu se enfiar debaixo da mesa do rádio, para evitar varas, fogos e crianças.


A mamãe não gostava de que muitos meninos ou meninas frequentassem a nossa casa, por isso, com exceção de nossos vizinhos mais próximos, Augustinho, Cláudio, Nilza e Carminho, eram poucos os "amigos da rua" que costumavam nos visitar. A noite de São João, porém, era uma exceção e o portão grande ficava aberto até mais tarde, para que a criançada pudesse entrar, ajudar a acender a fogueira, soltar fogos e fazer adivinhações. Se não me engano, fora o meu pai quem dera essa ordem e o resto da família apenas obedecera, gostando ou não.


Às seis horas em ponto, depois de novas orações  e cantorias a Santa Clara, quando despontava a primeira estrela, a fogueira foi acesa. O quintal estava cheio e eu, feliz , ao lado, além dos já citados vizinhos, de outros amigos,  Marcelo, Célia, Hélio, Hebe, Armandinho, Bete e tantos outros, próximos e menos próximos, que, como eu, tinham o encantamento dos 10 anos. 

Papai, meu irmão, eu e alguns dos meninos éramos os responsáveis pela queima dos fogos, vulcões, tiros de bengala, bichas de rodeio, traques de massa e tantos outros que enchiam de luz e barulho o nosso quintal, assustando os morcegos e encantando a todos nós. Naquele dia, até Aguinaldo, amigo um pouco mais velho do que eu, que tinha vindo devolver umas revistas emprestadas, entrou para ajudar a acender a fogueira. Se bem me lembro, ele não era dado a esses folguedos, mas, na noite de São João, as exceções  eram por todos abertas, até mesmo por Aguinaldo!


Não sei porque, passadas mais de cinco décadas, fui lembrar hoje, em Brasília, do dia 23 de junho de 1957, da Rua do Cupim e daquela festa de São João no querido Recife. A nossa casa já não existe, mas a  nossa fogueira continua queimando e os nossos fogos continuam brilhando em homenagem a São João (ao menos, no meu pensamento e incontido desejo), só não quero que soltem fogos barulhentos, para não acordar às pessoas queridas, que estavam lá naquela noite e que agora estão, quase todas, dormindo, dormindo profundamente, como disse uma vez, o poeta Manuel Bandeira.


"Boa noite, meus senhores todos e minhas senhoras todas, também..."

domingo, 2 de maio de 2010

MULHERES CHEFES DE ESTADO NO BRASIL

                                                                   
Neste domingo à noite, aqui em Bruxelas, resolvi retomar o hábito de postar uma crônica sobre algum tema de meu interesse e que, principalmente, possa interessar aos leitores do "Lugar do Souto". Dediquei-me à pesquisa das mulheres que já foram Chefes de Estado no Brasil e é sobre elas que irei discorrer.


Para quem  ainda não sabia, já tivemos sim mulheres na chefia dos destinos do Brasil, tendo, duas delas pelo menos, exercido grande liderança e tomado algumas das decisões mais importantes da história do País. Até hoje, as nossas Chefes de Estado foram apenas três, a Rainha Dona Maria I, a Imperatriz Dona Leopoldina e a Princesa Regente Dona Isabel, todas, como é óbvio, durante a Monarquia, tanto no período do Reino Unido, quanto no do Império do Brasil.

Dona Maria I, a Piedosa. 

Dona Maria Francisca nasceu em Lisboa no ano de 1734 e era a primogênita do Rei de Portugal Dom José I, que teve quatro filhas e nenhum filho varão. Dona Maria usou, primeiramente, o título de Princesa da Beira e, depois da ascensão de seu pai ao trono, passou a ser chamada de Princesa do Brasil. Mesmo que o reinado tenha durado até sua morte, em 1816, Dona Maria I só exerceu, de fato, a chefia de Estado por quinze anos (1777-1792), porque, depois de ter sido acometida de doença mental, seu filho, o Príncipe Dom João (futuro Dom João VI), passou a exercer a regência do Reino Unido do Brasil e Portugal. 

Dona Maria I foi a primeira mulher Chefe do Estado no Brasil, embora, na época, nosso país estivesse  ligado a Portugal como Reino Unido. É sabido o interesse de Dona Maria I pelo bem-estar do Brasil distante e, nesse sentido, criou várias instituições de caridade no período do seu reinado.

Imperatriz Dona Leopoldina.

A princesa austríaca Leopoldina de Habsburgo chegou ao Brasil em 1817, já esposa do Príncipe Dom Pedro, com quem tinha casado por procuração e, embora enfrentando grandes dificuldades, tudo fez para se adaptar aos hábitos do nosso país e da Corte da Casa de Bragança. Aos poucos, a princesa aprendeu a amar e a respeitar o Brasil, tornando-se uma das figuras mais importantes da nossa independência. 

Estando iminente o início de uma guerra civil separatista na Província de São Paulo, antes de partir para lá, o Príncipe Regente Dom Pedro, no dia 13 de agosto de 1822, passou o poder a Dona Leopoldina, com o cargo de Chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil. Tendo recebido informações de que Portugal preparava uma ação contra o Brasil, na impossibilidade de aguardar o retorno de Dom Pedro, a princesa, na manhã de 2 de setembro de 1822, na qualidade de Chefe Interina do Governo, reuniu-se com o Conselho de Estado e assinou o Decreto da Independência, que declarava o Brasil separado de Portugal. Na carta enviada ao marido, ela disse a célebre frase: "O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece". 

Dona Leopoldina foi coroada imperatriz a 1º de dezembro de 1822, na mesma cerimônia de coroação e sagração de Dom Pedro I. Inúmeras foram as ações da Imperatriz Dona Leopoldina em favor da  nação brasileira que nascia, visitando repartições públicas, inspecionando as alfândegas, os hospitais e outros locais de interesse da população, sempre procurando melhorar os serviços.  É a essa grande mulher, quando Chefe de Estado, que devemos a assinatura do Decreto da Independência. 

Princesa Dona Isabel.
Na segunda metade do século XIX, uma outra mulher, neta da Imperatriz Dona Leopoldina e trineta da Rainha Dona Maria I, assumiu algumas vezes a chefia do Estado brasileiro. Refiro-me à Princesa Dona Isabel Cristina de Bragança, química de formação e primeira senadora do Brasil.

Por três vezes a Princesa Isabel foi regente do País, praticando inúmeros atos na qualidade de Chefe de Estado. Na última regência, a 13 de maio de 1888, a princesa assinou o Decreto que aboliu a escravatura no Brasil, e que, provavelmente, foi um dos motivos da queda do Império. A convicção e determinação de Dona Isabel ultrapassaram os possíveis receios de não se tornar um dia Imperatriz e só esse ato já é o bastante para a colocar entre os nossos dirigentes mais corajosos e que tomaram importantes decisões em favor da melhoria de vida do povo brasileiro, abdicando do seu próprio interesse.

Como Chefe de Estado, na qualidade de Princesa Regente, Dona Isabel assinou o Decreto que modificou a nossa história, merecendo, sem dúvida, ainda que só De Jure, o título de Dona Isabel I, Imperatriz do Brasil.

Três momentos distintos  da história política do Brasil, em três épocas também diferentes. Três mulheres  que foram Chefes de Estado e três grandes dirigentes atuando em favor do nosso povo.  

Como elas, algum dia, outra haverá?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

AS BARCAÇAS DE ANTIGAMENTE E A PINTURA DE MÁRIO NUNES



Para meu desalento, não sou crítico de arte, nem entendo das técnicas da pintura, sinto-me, apenas, atraído por um determinado pintor ou  por um quadro, passando, então, a ser fiel admirador da obra daquele artista ou de algumas telas em particular.

No dia 8 de novembro de 2008 postei uma crônica  sobre um pintor recifense, cuja obra sempre me agradou, Mário Nunes. Nessa postagem, citei o fato de ter passado a minha infância, adolescência e parte da juventude admirando um quadro que os meus pais tinham em nossa casa da Rua do Cupim.  A casa já foi demolida, o quadro, porém, permanece comigo e, ainda hoje, passo alguns momentos de solidão admirando as cores do Mestre Mário Nunes e a visão de um Recife que não existe mais: barcaças ancoradas nos cais de Santa Rita ou no cais do Apolo.
Na minha infância, entre os muitos passeios em família, um dos  que mais me agradava era quando íamos ao cais de Santa Rita, só para ver a ponte Giratória abrir e fechar e as barcaças, lânguidas e monumentais, passarem tranquilamente rumo à murada do cais. Na minha imaginação infantil, as barcaças eram verdadeiras caravelas de séculos passados, transportando povos bizarros e mercadorias exóticas.

Quando uma delas despontava lá longe no mar, rumo à ponte que  dava o sinal de que iria girar, eu sentia, na minha alucinação de criança, o cheiro de cravo-da-índia, de pimenta ou de cuminho,  ouvia uma música desconhecida que tocava ritmos das mil e uma noites, e até enxergava piratas de perna de pau. Pobres barcaças do meu Recife! Naquela época, meados do século XX, quando muito  elas transportavam parcos sacos de açúcar e passageiros menos favorecidos socialmente,  que vinham de alguma cidade do litoral pernambucano tentar a sorte na capital.

Mas que as barcaças eram imponentes e belas, sem dúvida que eram, e que tinham cheiro de especiarias, lá isso tinham!

Não sei se Mário Nunes retratou muitas barcaças. Para meu gáudio, porém, ao menos uma eu sei que ele pintou e, há muito anos, é essa tela que ainda me faz sentir os cheiros do Oriente e ouvir o vozerio dos mercados de uma Arábia longínqua. Obrigado por isso também, Mestre Mário Nunes!
Há alguns dias recebi um comentário sobre a  postagem de 8 de novembro de 2008 e o comentarista destaca o abandono e o esquecimento do Mestre por parte de nossas autoridades. Endosso e agradeço o comentário e, mais uma vez, reforço o apelo anteriormente feito para que as nossas autoridades não esqueçam o que temos de bom, não só na pintura, mas em muitas outras artes. Apelo para que promovam os grandes mestres do passado, porque com isso todos nós, que amamos a cidade do Recife, o Estado de Pernambuco, só teremos a ganhar.

Se as barcaças e tantos outros "momentos", fatos ou paisagens do Recife já não existem mais, que se mostre às novas gerações como era a nossa cidade no passado, não só nos postais que, felizmente, ainda existem, mas também pela arte dos mestres que retrataram épocas distantes.