Postagem nº 100 deste "Lugar do Souto".
Para celebrar a centésima crônica (ou arremedo disso), levando em conta que o dia 19 de Novembro é o dia do cordeleiro, resolvi antecipar-me à data e discorrer sobre uma forma popular de literatura que sempre me atraiu e que está intimamente ligada à minha vivência no Recife, cidade onde nasci.
A literatura de cordel, ou apenas, o cordel, é um gênero literário popular com raízes nacionais no Nordeste brasileiro, mas que tem, em pequena proporção, se estendido a outras regiões. As origens do cordel são incertas, muito provavelmente remontando à Idade Média provençal ou até mesmo mais distante no passado, à Antiguidade Clássica da Europa mediterrânea. O que é considerado como real é que foram os portugueses que trouxeram para Brasil o gosto por cantar em forma rimada (muitas vezes, ao desafio), narrando em tom jocoso e com forte crítica social certos fatos que tenham sido marcantes na comunidade de quem os cantava. Os panfletos eram colocados em cordeis e vendidos nas feiras, daí a propagação da expressão "literatura de cordel".
Sempre tive espírito de colecionador e, quando jovem, comecei adquirindo folhetos de cordel cujos títulos me chamavam a atenção. De início, mantive-os abertos e pendurados em um cordel mas, com o aumento dos livretos, transferi a coleção para algumas caixas de sapato que, ao meu ver, continuam sendo o melhor "esconderijo" para se guardar preciosidades. Na época da coleção, os que mais me interessavam eram os de aparência tosca e demonstrando simplicidade, quer nas gravuras, quer na qualidade do papel (eu tinha por hábito só adquirir os de pior qualidade), impressos tal como haviam sido escritos, com o português incorreto e descuidado. O cordel foi criado para ser cantado, não para ser lido, portanto, esqueçamos o bom vernáculo se queremos um bom cordel. Perdi a vontade de colecionar folhetos de cordel e eles foram relegados ao esquecimento.
Em Maio deste ano, quando postei uma crônica sobre o mesmo tema ("Cordel do Maquilador Milagreiro"), disse aos leitores que quando não tenho muito o que fazer procuro as preciosas caixas de sapato e tiro, ao acaso, um folheto para ler. Hoje, em um momento de preguiça literária, busquei um "folhetinho" bem antigo, quase destruído pelo tempo e, por incrível que pareça, sem identificação do autor, portanto "de autor desconhecido". A rima é da pior qualidade, a métrica não existe no poema e o nosso idioma está grafado tal qual o autor devia cantar nas feiras do interior de Pernambuco. Tentei lembrar onde e quando comprara o folheto de sugestivo título, mas não lembrei. Acho, mas não estou certo, que foi na cidade de Sertânia, na qual o meu pai tinha uma fazenda (Maxixe), que visitei nos idos da década de 1960. Seja como for, transcrevo apenas os primeiros versos, porque os demais são muito "picantes" para que sejam publicados neste blogue. As imagens que ilustram o texto não são do cordel publicado e foram retiradas da Internet.
Para celebrar a centésima crônica (ou arremedo disso), levando em conta que o dia 19 de Novembro é o dia do cordeleiro, resolvi antecipar-me à data e discorrer sobre uma forma popular de literatura que sempre me atraiu e que está intimamente ligada à minha vivência no Recife, cidade onde nasci.
A literatura de cordel, ou apenas, o cordel, é um gênero literário popular com raízes nacionais no Nordeste brasileiro, mas que tem, em pequena proporção, se estendido a outras regiões. As origens do cordel são incertas, muito provavelmente remontando à Idade Média provençal ou até mesmo mais distante no passado, à Antiguidade Clássica da Europa mediterrânea. O que é considerado como real é que foram os portugueses que trouxeram para Brasil o gosto por cantar em forma rimada (muitas vezes, ao desafio), narrando em tom jocoso e com forte crítica social certos fatos que tenham sido marcantes na comunidade de quem os cantava. Os panfletos eram colocados em cordeis e vendidos nas feiras, daí a propagação da expressão "literatura de cordel".
Sempre tive espírito de colecionador e, quando jovem, comecei adquirindo folhetos de cordel cujos títulos me chamavam a atenção. De início, mantive-os abertos e pendurados em um cordel mas, com o aumento dos livretos, transferi a coleção para algumas caixas de sapato que, ao meu ver, continuam sendo o melhor "esconderijo" para se guardar preciosidades. Na época da coleção, os que mais me interessavam eram os de aparência tosca e demonstrando simplicidade, quer nas gravuras, quer na qualidade do papel (eu tinha por hábito só adquirir os de pior qualidade), impressos tal como haviam sido escritos, com o português incorreto e descuidado. O cordel foi criado para ser cantado, não para ser lido, portanto, esqueçamos o bom vernáculo se queremos um bom cordel. Perdi a vontade de colecionar folhetos de cordel e eles foram relegados ao esquecimento.
Em Maio deste ano, quando postei uma crônica sobre o mesmo tema ("Cordel do Maquilador Milagreiro"), disse aos leitores que quando não tenho muito o que fazer procuro as preciosas caixas de sapato e tiro, ao acaso, um folheto para ler. Hoje, em um momento de preguiça literária, busquei um "folhetinho" bem antigo, quase destruído pelo tempo e, por incrível que pareça, sem identificação do autor, portanto "de autor desconhecido". A rima é da pior qualidade, a métrica não existe no poema e o nosso idioma está grafado tal qual o autor devia cantar nas feiras do interior de Pernambuco. Tentei lembrar onde e quando comprara o folheto de sugestivo título, mas não lembrei. Acho, mas não estou certo, que foi na cidade de Sertânia, na qual o meu pai tinha uma fazenda (Maxixe), que visitei nos idos da década de 1960. Seja como for, transcrevo apenas os primeiros versos, porque os demais são muito "picantes" para que sejam publicados neste blogue. As imagens que ilustram o texto não são do cordel publicado e foram retiradas da Internet.
Peço aos mestres linguistas que perdoem as absurdas incorreções gramaticais (concordância, regência, sintaxe, grafia e muito mais) do desconhecido autor, mas foi esse primitivismo que me atraiu, além, é claro, do tema da traição e do sofrimento dos personagens título. A quem tiver paciência de ler estes antigos e populares versos, peço que tentem imaginar o tema sendo cantado numa época distante nas noites mornas e de luar do sertão pernambucano.
"A triste história de Zefinha, Sevé e o bombeiro Mené *
Quando Zefinha os cinquenta festejô
Era solteira, muito falada e cheia de calô.
Nesse dia de festa, uma amiga da vida a Sevé lhe apresentô.
Sabida como ela só, ao fagueiro rapaz a Zefa logo encantô.
Sevé era puro, inocente e bonito, ademais, namoradô.
A pureza era tanta que na virgindade da noiva ele sempre acreditô.
E com Zefinha, um mês depois, Sevé cum grande festa casô.
Mais de dez anos se passô
E muito amô entre os dois rolô.
O puro Sevé de tudo tentô,
Pr'á de Zefa tirá o fogo desoladô.
Mas Zefinha nasceu torta e com muitos outros ela sempre errô,
E Sevé, coitado, até de casa mudô,
Mas o fogo da Zefa nunca apagô.
O bom rapaz, cansado de tanto calô,
Resolveu na rua muié mió procurá.
Zefinha endoidô, pois depois que a idade chegô,
Home como Sevé ela num vai mais encontrá.
Sem sabê o que fazê, gemendo de tanta dô,
Até um macumbeiro a Zefinha procurô.
E, milagre do milagreiro, com ela de novo o bom Sevé deitô.
Mas o capeta, que às muiés pecadoras num cessa de atentá,
Na casa da vizinho um grande fogo pegô,
Só pr'á cum isso de novo o pecado pr'á Zefa mostrá.
No meio da correria, muita água rolô,
Pr'os bombeiros valentes o grande fogo apagá.
Excitada que nem mariposa, Zefinha corria fingindo querê ajudá.
Abre torneira, pega balde, um corajoso bombeiro o belo colo dela muiô,
E, braba como ela só, a véia raivosa logo a gritá começô.
Pelos gritos e pelo fogo, o bombeiro Mené logo viu da Zefa se tratá.
Amô velho nunca foi de se esquecê,
E Mené foi chamado pr'um café mais ela tomá.
Café puxa conversa e o bombeiro Mené à véia voltô a encantá.
No meio do encantamento,
Quando Mené o fogo tentava abaixá,
Em casa chegô Sevé e, cego com a traição,
De Zefinha tudo quebrô.
E até Mené apanhô.
A história ainda é longa e o drama de Zefa num acabô,
Pois pr'á zona ela voltô e o bombeiro Mené na casa dela ficô.
A casa que foi de Zefinha hoje é hospedaria,
E o garboso Sevé, mais o fogoso Mené, lá recebe as Marias,
Que, no desespero, o grande fogo querem apagá.
A Zefinha de tudo tentô, pr'á com um dois reatá,
Mas de nada adiantô,
Já que o formoso Sevé e o bombeiro Mené
Cum ela num querem mais nada,
Nem mesmo o grande fogo apagá.
..........................................................."
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*Texto de ficção e sem direitos autorais. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.
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