domingo, 25 de novembro de 2007

BRUXELAS - EXPOSIÇÃO LEONARDO DA VINCI – O GÊNIO EUROPEU


Com o Alto Patronato de S.M. o Rei Alberto II e o Patrocínio de José Maria Durão Barroso, Presidente da Comissão Européia, em comemoração aos cinquenta anos da assinatura do Tratado de Roma - constitutivo da CEE e primeiro passo para a criação do que hoje é a União Européia -, Bruxelas abriga na suntuosa Basilique Koekelberg, desde agosto passado e até o dia 15 de março de 2008, uma exposição dedicada ao gênio de Leonardo Da Vinci.
Leonardo, filho bastardo, canhoto, vegetariano, homossexual, foi criado até os cinco anos pela mãe e era uma criança que adorava libertar os pássaros que encontrava presos. Aos seis anos, passou a ser educado junto à família do pai. As particularidades daquela criança, de um jovem e de um homem dos séculos XV e XVI, tão marcantes naquele período, poderiam ter-lhe destruído o caráter e o gênio criativo. Mas não o fizeram. Passados quase 500 anos de sua morte (1452 – 1519), ele é hoje reconhecido nos quatro cantos do planeta como o maior gênio ocidental de todos os tempos, tendo recebido testemunhos como o de Sigmund Freud que disse: “Ele foi como um homem que acordou cedo demais na escuridão, enquanto os outros continuavam a dormir".


Leonardo Da Vinci disse sim às diferenças e não aos preconceitos.


Passo agora ao tema desta postagem, a exposição sobre o gênio de Da Vinci, que ocorre aqui em Bruxelas. A exposição é a maior já realizada sobre o conjunto da obra do mestre italiano e que, segundo os expositores, é uma apresentação dinâmica em quatro temas:
1) O homem – Retrospectiva de uma vida excepcional. Na primeira parte são apresentadas todas as etapas da vida de Leonardo por meio de numerosos documentos renascentistas, tais como, esculturas, pinturas (entre outras, a inédita "Maria Madalena", que só ela merece uma postagem), cartas, desenhos, esboços e montagens, originais e fac-símiles
2) O artista – Neste tema, o visitante tem a oportunidade de conhecer as facetas de Leonardo como arquiteto, escultor e pintor, com originais cedidos por museus e por colecionadores particulares.
3) O engenheiro – Tendo por base os códices de Leonardo, a terceira parte da exposição é dedicada à impressionante reconstituição de quarenta máquinas idealizadas pelo mestre.
4) O humanista – No último tema, a exposição fornece uma explicação para o mistério da escrita inversa do artista, tem-se a oportunidade de apreciar originais de pranchas de anatomia e, pela primeira vez, o original do códice do “Voo dos pássaros” (Biblioteca Real de Turim).


São mais de três horas de uma visita imperdível. Fui ontem e quem sabe se não voltarei antes do seu término.


Aproveito a deixa desta nota sobre a exposição em Bruxelas e complemento com a sugestão de acesso ao link a seguir http://www.vinci-editions.com/ , que trata de alguns aspectos da obra "La Gioconda" e de exposição que aconteceu em Paris até junho de 2007.



quinta-feira, 22 de novembro de 2007

MAURICE BÉJART - MAIS UMA ESTRELA NO CÉU





Ao silêncio da mímica, do canto e do teatro (texto publicado em 13 de outubro passado), junto agora esta homenagem ao silêncio da dança.

Maurice Béjart não é um artista para ser descrito e sim para ser visto, por isso prefiro deixar aqui apenas o registro da morte, ocorrida hoje, do bailarino e, em seguida, coreógrafo, francês, nascido em Marselha. Béjart viveu em diferentes locais era cidadão do mundo e também trabalhou algum tempo no teatro "La Monnaie" de Bruxelas, cidade onde me encontro.


As suas coreografias vão ficar para sempre na memória daqueles que, como eu, viveram intensamente a segunda metade do século a que chamamos de XX.

Em junho de 1968, em Lisboa, depois de ter durante meses economizado uma parte da mesada de estudante, eu estava com a entrada comprada para assistir à apresentação de "Romeu e Julieta" com montagem de Béjart. À véspera da ansiada ida, o espetáculo foi cancelado sem maiores informações. Soube-se, mais tarde, que a polícia secreta da época, a famosa PIDE, tinha expulso de Portugal o coreógrafo e os seus bailarinos. Nunca mais tive oportunidade de assistir a uma obra de Béjart. A PIDE está me devendo essa também.



Apenas em 1974, depois da Revolução dos Cravos, os jornais puderam contar o ocorrido. Eis a explicação dada pelo "Diário de Lisboa" do cancelamento dos espetáculos ainda por apresentar : "Maurice Béjart estava em Portugal a convite da Fundação Gulbenkian e no final do espectáculo "Romeu e Julieta", a 6 de Junho de 1968, subiu ao palco para anunciar a morte do pré-candidato às presidenciais norte-americanas Robert Kennedy, assassinado em Los Angeles. Aproveitou também para homenagear as vítimas de todas as ditaduras."Robert Kennedy foi assassinado... Foi vítima da violência e do fascimo(...) Como todos os que estão aqui esta noite, somos contra as ditaduras...Peço um minuto de silêncio", terão sido as palavas do bailarino, recordadas pelo Diário de Lisboa em 1974. Com o Coliseu ao rubro, a assistência aplaudiu durante 20 minutos. Pouco depois, a PIDE foi buscar Béjart ao hotel onde se encontrava hospedado e expulsou-o do país. Foi deixado num posto fronteiriço espanhol, num "sítio deserto", segundo o próprio."
Informo o link a seguir e sugiro que o abram como forma de homenagear ao artista morto : http://www.youtube.com/watch?v=gh_9leIFl7Y

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

PARABÉNS MARÍA AMELIA

Maravilhoso espetáculo é a vida! "Gracias a la vida, que me ha dado tanto!"
As pessoas que me conhecem e sabem que tenho uma irmã chamada Maria Amélia devem pensar que as felicitações do título desta postagem são para ela, apesar de a grafia do nome não estar no nosso idioma, não sendo, portanto, a forma correta no vernáculo. Embora, pelas mais diversas razões, a minha irmã foi, é e será sempre merecedora de parabéns, a María Amelia do título é outra.
Trata-se de uma senhora até pouco tempo desconhecida para mim, mas que agora faz parte do meu cotidiano, exatamente como o café com leite quentinho e o pão com manteiga o fazem todas as manhãs.
María Amelia López acabou de ser galardoada com o prêmio de autora do melhor blog em língua espanhola.
Quem leu esta postagem até este parágrafo e ainda não ouviu falar dessa senhora galega (espanhola, portanto) deve estar questionando a razão de parabenizar a autora do melhor blog em espanhol e não o (a) autor (a) do melhor blog em português (que foi um brasileiro), em francês, em inglês, em russo ou em chinês, já que eles também existem. A resposta é simples. Ao parabenizar María Amelia felicito uma mulher que ao completar 95 anos de idade, em dezembro de 2006, recebeu um "blog" de presente do neto e passou, então, a se comunicar com o mundo por meio da Internet. Uma preciosidade no gênero e do gênero. Parabenizo o amor pela vida, a coragem de saber viver e a vontade de querer sempre viver, simbolizados em María Amelia.


De dezembro de 2006 em diante, María Amelia não parou mais de escrever em seu blog e, com a ajuda do mesmo neto - que digita os textos (problemas de visão) -, ela relata diariamente fatos passados em uma Espanha de outra época. Discorre sobre política, religião, sua família e seus medos. Convive com outras pessoas, divide as suas experiências, vive ativa e intensamente, embora já seja quase centenária.

Há algumas semanas encerrei a postagem Silêncio da mímica, do canto e do teatro com a frase "Maravilhoso espetáculo é a vida", que agora, muito merecidamente serve de subtítulo a esta postagem. Parabéns companheira blogueira María Amelia López, não pare nem tão cedo de nos presentear com as suas reflexões, porque nós, blogueiros que ainda não chegamos aos 95 anos, precisamos muito de sua sabedoria, do seu amor à vida, do seu grandioso espetáculo!


É na voz de outra grande mulher de língua espanhola, Violeta Parra, chilena imortal, que presto homenagem à nova "blogeira" - nova no ofício da informática e no espírito. Ouçam e agradeçam a nossa existência, a de María Amelia López, a de Violeta Parra (que ainda vive na poesia e na música que nos legou): http://www.youtube.com/watch?v=UW3IgDs-NnA
Ouviram ? Agradeceram à Vida apenas porque estamos vivos? ... Podem, então, sair correndo do blog Lugar do Souto e acessar http://amis95.blogspot.com/
Maravilhoso espetáculo é saber viver!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ANIVERSÁRIO DE D. MANUEL II



Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luiz Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio Saxe-Coburg-Gotha e Orléans de Bragança nasceu em Lisboa, no palácio da Belém, no dia 15 de novembro de 1889, tendo recebido o título de Duque de Beja. Dezoito anos, dois meses e 17 dias mais tarde, o destino fez com que ele passasse à História como o Rei Dom Manuel II.
15 de novembro de 1889 – nascia em Portugal o Infante Dom Manuel e era expulso do Brasil o seu tio bisavô, Dom Pedro II – a História fará um dia justiça à importância que ambos tiveram nos seus respectivos países, não tenho dúvidas.
Hoje é o aniversário daquele que ainda adolescente tornou-se rei - o último - de uma saga de quase oitocentos anos de monarquia lusa.


Dom Manuel II sofreu todos os dissabores e traições que o pouco preparo para exercer o mais alto cargo da Nação lhe trouxe e a sua inexperiência para os assuntos de Estado contribuiu para acelerar o golpe republicano português, em 5 de outubro de 1910.

Muito já se disse e muito ainda se tem por dizer sobre a curta vida daquele jovem rei, seus amores, seus livros (bibliófilo e bibliógrafo de renome), seu exílio, sua sucessão... Sucessão de um rei em uma república já instaurada? Os valores do regime monárquico (ou “monarquista, à lusitana) permanecem inalterados mesmo depois de implantadas repúblicas e as leis da sucessão ao trono são tão rígidas durante o exercício de uma monarquia, quanto depois de sua queda.

Sou monárquico porque tenho a certeza de que a monarquia parlamentar é um regime mais justo e mais democrático do que o pretendem ser muitas repúblicas. Refiro-me às monarquias nas quais a figura do monarca representa legitimamente a nação e o povo que a constitui. Não me refiro, é claro, às monarquias golpistas, sem tradição e que chegaram ao poder por usurpação seja lá de quem e de que regime for.

Dizem alguns críticos que a monarquia é a forma de governo que serve para quase todo o continente europeu, para grande parte do asiático e para várias nações africanas, mas que não serve para a América, que tem na república a sua forma própria. O Canadá está no continente americano, é uma inquestionável democracia e é uma monarquia. O Brasil já foi monárquico, em um dos seus períodos nais prósperos – é à monarquia que devemos a nossa unidade territorial. O México também já passou por uma experiência monarquista, curta e trágica.
Em que mudaram os países que trocaram (quase sempre por um golpe militar) as monarquias por repúblicas?

A figura do monarca é o fator de união de muitos países modernos e os seus governos são democraticamente escolhidos pelo povo. O argumento de que a manutenção das famílias reais é um dispêndio inadmissível cai por terra quando se compara esse dispêndio com aquele da manutenção de um presidente e de sua família. Mas, não é o regime político que interessa, que é importante, que traz a paz, e sim a prática democrática, a prosperidade e a felicidade das nações, em regimes monarquistas ou presidencialistas.

Termino por aqui, porque não foi para falar de regimes políticos que postei esta nota, mas para homenagear a Dom Manuel II, que hoje completa 118 anos. Parabéns!

Ao lado, os moços fidalgos presentes à coroação d'El-Rei Dom Manuel II, em 1908 - Tão jovens quanto o rei!

sábado, 10 de novembro de 2007

SURPRESA NO PARQUE HOTEL


(Continuação).Será mesmo verdade ou serão devaneios de uma mente inconformada? Será que não sei onde estou, nem porque estou, nem, principalmente, quando estou? E por que estou agora em uma época na qual já não quero mais estar, em um mundo no qual não gosto de estar? Por que ontem saí deste tempo e fui (ou devo dizer, “voltei”?) para outro, onde tudo me é tão familiar, tão prazeroso? Será que terei sempre de voltar a este ano de 2007, que em nada me agrada? Será que não poderei ficar no passado? Ou o passado seria o presente e o que penso ser o presente, o futuro? Olho pela janela, em busca de respostas e, desilusão! Eis o que vejo:
Não tem mais o meu quarto vinte e sete, não tem mais Parque Hotel, não tem mais Alexandra, mas, para minha surpresa, tem ainda o mesmo piso azul acinzentado que me havia chamado a atenção naquela tarde de julho de 1932. Sento-me no chão, sem forças para continuar vendo o mundo lá fora e fixo o olhar em um dos mosaicos.

Olhei, olhei, olhei e ... senti que alguém me chamava com insistência - “¿Señor, lo que se pasa? ¿Por qué está sentado ahí hace más de diez minutos? ¿Desea que yo llame un medico?” – Levantei-me assustado e dei de caras com o estafeta, que também fazia as vezes de recepcionista e que me havia dado o bilhete com os nomes dos ocupantes do quarto vinte e cinco.
Tal qual um louco, sem nem mesmo esperar o elevador, desci as escadas do Parque Hotel, corri para a praia e ... tudo estava exatamente como meia hora antes, a única diferença era que as primeiras estrelas já começavam aparecendo.

Abracei o estafeta, que também havia saído do hotel correndo
comigo e ele, sem nada entender, mas sempre querendo ajudar, enfiou outro pedaço de papel no meu bolso. Pedindo infinitas desculpas, disse ter feito uma enorme confusão ao escrever de memória os nomes que eu havia solicitado. Nervoso, acrescentou que em uma república como a Oriental do Uruguai as pessoas não entendiam muito de títulos de nobreza, mas que graças a uma camareira com quem ele compartilhara o meu pedido, a qual, além de monárquica das antigas, era brasileira como eu, o engano havia sido corrigido.
Aí, então, era eu quem não entendia nada do que ele dizia, ainda mal refeito estava do susto de pensar que tinha, de novo, "voltado" para uma época futura, mesmo assim, apanhei o papel da algibeira. Outro bilhete, que li debaixo de um poste:
"Alexandra Mary of Leicester, condessa viúva de Leicester e Timothy Edwards of Leicester, conde de Leicester".


Não dei muita atenção à confusão do rapaz, nem à mudança de título, mas preocupei-me com a camareira que, gostando ou não, agora fazia parte dos meus segredos. Precisaria saber mais detalhes sobre quem era e a razão de estar aqui em Montevidéu.


Recomposto, voltei ao hotel e pareceu ouvir alguém lá fora chamando – “Timothy, Timothy”. Olhei para trás e para os lados, mas o lobby estava vazio, só os responsáveis pela grande gala da noite é que trabalhavam nos preparativos. Do lado de fora também não vi ninguém, embora tivesse tido a sensação de que dois vultos passeavam pela areia lá em baixo.


Entrei mais uma vez no elevador, o ascensorista já estava correndo a porta pantográfica quando o estafeta - recepcionista nas horas de folga do efetivo - fez um sinal para esperar um pouco. Senti um maravilhoso perfume Chanel no ar e, para meu encantamento, quem adentrou o elevador? .Ela, mais enigmática do que nunca, Alexandra, que agora, graças à camareira ainda desconhecida, sabia ser condessa e não duquesa.
Um leve sinal de cabeça, como da outra vez, um cumprimento idêntico de minha parte, desta vez já com o chapéu na mão. O elevador inundou-se de Chanel e do verde dos olhos dela.O ascensorista fechou a porta pantográfica e o elevador comecou lentamente a subida.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

CLUBE DO CUPIM




Quem não sabia ainda, da leitura de outras postagens do “Lugar do Souto”, vai saber agora. Nasci no número 236 de uma rua do Recife que tem o bizarro nome de “Rua do Cupim” (gosto de colocar maiúsculas em “Rua” quando me refiro a essa rua em especial). A rua na qual eu nasci já teve, certamente, bem mais cupins, bem mais morcegos (lembram dos morcegos referidos na postagem “A Rua do Padre Inglês”?) e também bem mais flamboaiãs do que tem hoje!
Por que não a chamaram, então, Rua dos Flamboaiãs? (Descansem, não vou sugerir a denominação "Rua dos Morcegos").
Onde já se viu nome de inseto atribuído a uma rua? Defesa ecológica? Ameaça de extinção? Nem de longe. Homenagem ao inseto, portanto, não é, já que aquele ortopteroide, do grupo denominado Dictyoptera, mais do que alvo de homenagens, tem sido mesmo é perseguido e objeto de destruições em massa por parte dos moradores da rua que supostamente o homenageia. Aliás, se assim não fosse, acho que a rua inteira já teria sido devorada pelo insaciável insetinho branco, que saboreia tudo o que encontra à frente, desde papel e madeira a tecidos, cerâmica e até
plásticos. Que apetite voraz!
Lembro de um ano em que estávamos veraneando em Olinda [– que vontade de divagar e mudar o tema para falar dos meus verões naquela cidade, mas resisto à tentação “divagatória” e continuo falando do cupim, da rua que tem o seu nome e, daqui a pouco, do Clube de mesmo nome –] e constatamos, na volta das férias, que uma das gavetas da penteadeira de minha mãe - provavelmente a gaveta mais importante para o meu pai, pois estava sempre trancada à chave - não conseguia abrir. Puxa a gaveta de lá, puxa de cá, retira-se a de cima, depois a de baixo, consegue-se finalmente "arrancar" a que estava travada e, de repente, uma expressão de ódio nos olhos de papai e de pânico, nos de mamãe: a gaveta, antes cuidadosamente arrumada, era um amontoado de pó, de “panelas” e de caminhos bem traçados, por onde se agitavam os pobres cupins já prevendo o fim que os esperava.

Até hoje não sei o que foi destruído, mas pela fúria do meu pai, a partir daquele dia, contra tudo o que se assemelhasse ao bichinho, devem ter sido papéis muito importantes, pois foram mais de quarenta anos de ações de guerra cuidadosamente planejadas pela minha família, mas nunca vencidas inteiramente. Talvez por esse motivo os cupins passaram, naquela época, a ter a minha simpatia e apoio velado, principalmente pela admiração que eu nutria pelas táticas de guerrilha que eles sabiamente utilizavam, sempre se colocando em posição de vantagem contra os humanos agressores: mata aqui, renasce ali, destrói-se um caminho aqui, abrem-se outros nos lugares mais insólitos,
destroem-se duas "panelas", constroem-se quatro, usa-se um inseticida recém lançado e eles logo arranjam defesas biológicas. Bravos cupins!


Alguns anos mais tarde daquele domingo de março dos idos da década de 1950, eu passei a comparar os nossos cupins com os heróis vietcongues lá do Vietnã, ou com outros heróis de outras guerrilhas bem mais próximas de minha rua do que aquela do sudeste asiático.

Deixando de lado os ortopteroides e voltando às razões do nome da rua, encontrei a resposta na Internet que descreve a existência, na década de 1880, de um “Clube” abolicionista que tinha por sede uma casa muito simples, com uma única mangueira, exatamente atrás daquela que um dia seria a garagem de nossa futura casa. O Clube do Cupim abrigava escravos foragidos e, em seguida, transportava-os por caminhos ocultos até ao Capibaribe e por ele, à liberdade em quilombos distantes. Para mim, aquela casa sem direito a placa e que hoje nem mais casa é, sempre foi a casa de “seu Benzinho e dona Alice", e o meu pai sempre achou que debaixo da garagem, ou em qualquer outro lugar do nosso quintal, rota dos cupins com os escravos, deveria haver um tesouro enterrado. Será que tinha? Será que ainda tem? Se tem, já não nos pertence, assim como a casa.

Na história dos movimentos abolicionistas em Pernambuco, o Clube do Cupim tem um lugar de destaque, apesar de pouco ter sido escrito sobre ele. A partir de 1880, multiplicaram-se no Brasil as sociedades contra a escravidão, que tinham como objetivo básico angariar fundos para comprar cartas de alforria de escravos. Em Pernambuco houve mais de trinta dessas sociedades, que foram a gênese do Clube do Cupim, pois muitos dos seus sócios fundadores já participavam ativamente de algumas delas.

Em 24 de março de 1884, quando o Ceará decretou a libertação de todos os escravos na Província, intensificou-se a campanha contra a escravidão em todo o país. João Ramos*, natural do Maranhão, mas que se mudou para o Recife aos 14 anos, foi o idealizador e fundador do Clube do Cupim e sonhava em concretizar também em Pernambuco o mesmo que fizeram no Ceará. Passou, então, a proteger escravos recomendados a ele, tornou-se conhecido dos negros que o procuravam pedindo ajuda para comprar suas cartas de alforria, prometendo pagá-las com o seu trabalho. Em 1883, com o auxílio de amigos, João Ramos já havia estabelecido uma rota segura para os escravos fugidos, enviando-os para Mossoró, no Rio Grande do Norte, de onde eram transferidos para Aracati e Fortaleza, no Ceará.

No dia 8 de outubro de 1884, João Ramos reuniu-se com mais onze amigos, na casa de um deles, o cirurgião dentista Numa Pompílio, na Rua Barão da Vitória, 54 (atual Rua Nova) para fundar uma sociedade não emancipadora, mas abolicionista e secreta denominada Relâmpago, que depois mudou o nome para Clube do Cupim. Não sei em que data a sede do Clube passou para a casa detrás da nossa.

A sociedade, sem estatuto, tinha por único lema a libertação dos escravos não importa porque meios. Como era uma sociedade secreta, seus sócios adotavam um “nome de guerra”, utilizando-se dos nomes das províncias brasileiras da época. Foram seus fundadores: João Ramos, presidente (“Ceará”); Guilherme Ferreira Pinto, tesoureiro (“Goiás”); Alfredo Pinto Vieira de Melo, secretário (“Minas Gerais”); Fernando de Pães Barreto, o orador do Clube (“Maranhão”); Numa Pompílio (“Mato Grosso”), João José da Cunha Lajes (“Amazonas”); Barros Sobrinho (“São Paulo”), Antônio Faria (“Rio Grande do Sul”); Gaspar da Costa (“Rio de Janeiro”); Nuno Alves da Fonseca (“Alagoas”); Alfredo Ferreira Pinto (“Bahia”); Manoel Joaquim Pessoa (“Rio Grande do Norte”) e Luís Gonzaga do Amaral e Silva (“Pernambuco”).

Em seguida, o Clube do Cupim passou a ter vinte sócios efetivos. Cada sócio tinha sob suas ordens um capitão, este, um subcapitão que, por sua vez, comandava vinte auxiliares. Todos tinham que adotar um “nome de guerra” utilizando os nomes de localidades brasileiras. Dessa maneira, sempre com vinte sócios efetivos, o Clube do Cupim chegou a contar com mais de trezentos auxiliares. Além dos fundadores, o Clube passou a contar depois com outros sócios efetivos.

Foram realizadas, no total, 21 sessões na sede do Clube, até que no dia 1º de novembro de 1885, resolveram dissolvê-lo por causa das perseguições. Não tinham mais um local fixo para reuniões, porém os cupins, como eram conhecidos os abolicionistas, continuavam a atuar clandestinamente. O seu trabalho era facilitado porque possuíam adeptos e simpatizantes em vários lugares. Havia uma grande quantidade de “panelas”, como eram conhecidos os esconderijos dos escravos que a sociedade ajudava a libertar. O termo “cupim” passou a ser usado até pelos abolicionistas do Rio de Janeiro que pretendiam “libertar os centros populosos e fazer roer o cupim no interior”.

A última façanha do Clube do Cupim foi o embarque de 119 escravos, realizado no dia 23 de abril de 1888.


Acabou o Clube do Cupim, continuou-se a praticar a escravidão no Brasil, ainda que para os negros ela tenha sido oficialmente extinta em 1888. O Clube permaneceu lembrado no nome da rua e eu descobri que afinal não são os meus simpáticos insetos a razão do nome da rua na qual eu nasci, mas sim outros cupins, humanos e que só queriam destruir a escravidão e não os papéis guardados pelo meu pai.

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* João Ramos é hoje o nome de uma rua paralela à Rua do Cupim.

FONTES:
SALES, Maria Letícia Xavier. O Clube do Cupim e a memória pernambucana. Revista do Arquivo Público, Recife, v.40, n.43, p.101-115, out. 1990.
VILELA, Carneiro. O Club do Cupim. In: SILVA, Leonardo Dantas (Org.). A abolição em Pernambuco. Recife: Fundaj. Ed. Massangana, 1988. p.25-35. (Abolição, 10).

domingo, 4 de novembro de 2007

DE NOVO "PIAF - UM HINO AO AMOR" ("LA MÔME")



Qual terá sido o motivo pelo qual Olivier Dahan não deu destaque, nem praticamente mencionou durante todo o filme, a presença de Théo Sarapo na vida de Édith Piaf ?

Um amigo do Recife, crítico dos mais cruéis, mencionou essa ausência como uma falha do filme, uma falta grosseira e imperdoável do diretor ao determinar o roteiro da história da vida de Édith Piaf.


Refleti e reflito sobre a pergunta acima e ainda não consegui encontrar uma resposta, deixando o questionamento em aberto no início e no fim desta postagem.


Tenho algumas dúvidas e algum receio em acusar Olivier Dahan de falha, de falta de acuidade na pesquisa da vida de um dos mitos de Paris no século XX.

Qualquer leigo que já tenha ouvido falar em Édith Piaf, acompanhou de perto, se viveu naquela época, a presença marcante do cabeleireiro grego na sua conturbada vida. Os que pertencem às gerações mais jovens, certamente também ouviram falar daquele homem ao lado da chansonnière, desde os primeiros encontros até ao casamento de ambos.


Se Olivier Dahan não deu importância a Théo Sarapo em “La Môme” foi certamente porque não quis dar, porque não julgou que ele merecesse destaque no filme, porque preferiu centrar a trama em um único grande amor de Édith Piaf, escolhendo Marcel Cerdan, à época, campeão mundial dos pesos médios de boxe. Talvez Olivier Dahan tenha preferido focar apenas esse grande amor em detrimento de outros amores e de vários casamentos de Édith Piaf - incluindo o casamento com Théo Sarapo - para fazer dele o amor símbolo dos muitos amores da vida da Piaf. Talvez até razões menos românticas e mais práticas, como o impedimento dos herdeiros legais de Théo Sarapo, tenham feito com que o diretor se limitasse a uma breve menção do seu nome, em conversa à beira da piscina, já quase ao final do filme.


Pessoalmente, acredito que o fato de Marcel Cardan ser casado com outra mulher sem nunca ter casado com Édith Giovanna Gasion (La Môme) e de ter morrido prematura e tragicamente, tenha sido mais importante para Olivier Dahan. No filme, ele quis narrar o amor proibido, o amor mito, o amor perfeito - "posto que foi chama" - que teria prevalecido sobre os outros amores e vários casamentos.
Concordo com os que dizem que o filme “La Môme” tem falhas históricas ao descrever a vida conturbada da Piaf. Concordo que o recurso a incessantes flash back em lugar de ajudar no enquadramento das épocas, confunde o espectador menos informado. Concordo que o filme poderia ter sido mais histórico e menos fantasista, mas continuo com a opinião de que é um grande filme, um grande entertainment, que centra o foco no drama que foi a vida de Édith Piaf e no seu percurso como grande diva da canção popular francesa. Repito o que disse na postagem de 23 de setembro de 2007, “quem ainda não teve oportunidade de assisitir, vá correndo, assim que puder ”.
Qual terá sido o motivo pelo qual Olivier Dahan não deu destaque, nem praticamente mencionou durante todo o filme, a presença de Théo Sarapo na vida de Édith Piaf ?
Acessem o endereço a seguir e aproveitem da voz de Édith Piaf:

sábado, 3 de novembro de 2007

MARÍA DE SANABRIA *




Vovó descascando feijões. Como eu gostaria de sentar de novo ao lado de vovó enquanto ela descascava feijões!
As mulheres fazem parte das minhas mais remotas lembranças. Como quase todos os nascituros de minha época, foram mulheres os humanos a que eu primeiro vi. A partir daquele momento, elas entraram com toda a força em minha vida.

Em nossa casa do Recife sempre estive em companhia feminina, minha mãe, minha irmã, Maria, dona Maria, Eulina, Matilde e algumas outras que saíam e entravam. As amizades de minha mãe e as de minha irmã eram, obviamente, mulheres: Neuza, Wanda (com “W” mesmo), Creuzinha, Lenyra, Marina, Ignês, Fernanda, Nina, Rosa, dona Judith, dona Alaíde, dona Adauta, dona Paulita e tantas, tantas outras que, até hoje, fazem parte do mundo das minhas lembranças, dos meus sonhos mais frequentes. Quando mamãe se referia a Portugal, era em minha avó, minhas tias e primas que ela sempre pensava. Todas mulheres, naturalmente.

Quando recordo da Rua do Cupim de minha infância, vêm à lembrança as imagens de dona Zilda, dona Dulce, Eliane e Consuelo, só para citar as vizinhas mais próximas. Baby (que saudade de Baby!), Norma, Lina Schenker e a cadelinha bassê . Lina Schenker, aliás, foi a pessoa mais fora de contexto que já morou na Rua do Cupim e, para mim, permanece ainda hoje tão misteriosa como há mais de cinquenta anos. Lina, a cadelinha bassê e o "serra velho" anual a que seu Shenker era submetido dariam para encher muitas e muitas páginas de qualquer novela, mas, por enquanto, eu me limito a mencionar os seus nomes.

Dona Carmem entrou em minha vida infantil através de pastéis de nata e de suas quatro filhas, Marília, Inês, Nilza e Carminho, mais mulheres a povoar as minhas recordações infantis, essas, bem jovens.

Até hoje, não consegui responder à pergunta que Helena passou a vida fazendo, “se era dela ou de Irene de quem eu mais gostava”, nem também à pergunta de Irene, “se era dela ou de Helena de quem eu gostava mais”... Respostas impossíveis para uma criança, que provavelmente não gostava muito nem de uma, nem de outra.

Mais tarde, mas antes da adolescência, surgiram mais mulheres, Thereza, Inalda, Elza, dona Belinha e sei lá quem mais. Para mim, a infância foi um período de mulheres, algumas mais fortes, outras, menos fortes, mas todas marcantes na formação de minha personalidade e remanescentes ainda hoje no fundo da memória.

E homens ? Não havia homens no mundo daquele menino que eu fui? Excetuando meu pai e meu irmão, este tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante, só aos 9 anos comecei a conviver com pessoas que falavam no masculino. E aí surgiu outro mundo, outra realidade tão diversa daquela das mulheres da minha primeira década de vida.

Restam agora duas perguntas: foi de mulheres fortes na minha infância que eu resolvi escrever esta crônica, ou simplesmente de mulheres fortes? E o que é que tem a ver María de Sanabria - personagem título desta postagem – com todas as mulheres fortes de minha infância?
"María de Sanabria" é o título de um dos livros que estou lendo neste momento e o próprio autor, Diego Bracco, classifica a obra de novela histórica. Foi publicado em março de 2007, sendo editor Santos Rodríguez, com direitos autorais das ”Ediciones Nowtilus S.L.” e impresso nas Gráficas Marte, S.A., na Espanha. Não sei dizer se já há uma versão em língua portuguesa, mas aconselho aos leitores apaixonados pelo estilo novela histórica que adquiram e leiam o novo livro de Diego Bracco, de preferência no idioma de Cervantes.

Quem foi María de Sanabria?
A contracapa de “María de Sanabria” esclarece que o personagem título foi "a protagonista de uma das expedições mais fascinantes e menos conhecidas das que partiram da Europa em direção ao Novo Mundo. Usou da própia beleza e juventude para fugir ao destino que a sociedade da época lhe impunha. Com habilidade e usando, às vezes, de intrigas, conseguiu que a sua armada estivesse pronta para zarpar nos princípios do ano de 1550. Maria de Sanábria enfrentou vários obstáculos antes de partir, desde problemas com o pai até ao preconceito de então contra as mulheres, mas a sua aliança secreta e estratégica com o lendário Álvar Núñez Cabeza de Vaca e o seu determinismo levou à frente a sua obsessão. Durante a travessia enfrentou temporais e doenças [...]", Prefiro parar por aqui, pois ainda não cheguei ao meio da leitura e não quero tirar o prazer dos que o ainda irão ler.
María de Sanabria não faz parte das mulheres do meu passado, pois só agora entrou em minha vida, mas, sem dúvida, que inundou de ilusões os sonhos de muitas crianças - e até de adultos - em um século no qual o sonho e a realidade muitas vezes se confundiam.


A bravura da mulher María de Sanabria é uma homenagem a todas as mulheres de minha infância, que não chefiaram armadas nem enfrentaram os perigos do Grande Mar ou do Rio da Prata, mas que nortearam a armada de minha vida com vigor e empenho, do mesmo modo que ela, há quase quinhentos, anos norteou (ainda que vindo para o hemisfério sul) uma armada insólita para os padrões da época.
Sem dúvida que María de Sanabria, o livro e María de Sanabria, a mulher serão títulos de algumas outras postagens.
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* Título grafado em espanhol. Em português, como todos sabemos, o “Maria” será sem acento agudo no “i” e o “Sanabria” terá um agudo no segundo “a”.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

PARQUE HOTEL, 9 DE JULHO DE 1932

(continuação) Cerca das três horas da tarde de hoje, depois de dormir a reparadora sesta vespertina, achei que nada seria melhor do que trocar de roupa e ir dar uma volta, para apreciar o sol de inverno em Montevidéu. Saí do quarto vinte e sete, onde estou hospedado durante todo este mês de julho - hospedo-me sempre do lado ímpar da numeração -, parei para apreciar os mosaicos que cobrem o piso do segundo andar e, inesperadamente, sou surpreendido pela abertura da porta do quarto ao lado do meu. O hall superior estava vazio àquela hora e a abertura repentina da porta assustou-me, mas, logo em seguida, que grata surpresa! Quem sai daquele quarto? A jovem inglesa que tanto me impressionara há alguns dias. Estava mais deslumbrante do que nunca, com aquele mesmo ar distraído que me chamou a atenção quando eu a vi, pela primeira vez, no domingo passado, dia 3 deste mês (sempre gostei de guardar datas).




Parece impossível que, estando ambos no mesmo hotel, só a tenha voltado a encontrar seis dias mais tarde. Certamente, ela não passou a semana no hotel e eu até já a havia esquecido, mas aquela inesperada aparição fez com que recuasse seis dias e, confesso, foi com um leve tremor que tirei o chapéu, cumprimentando-a.

O cabelo negro e curto continuava impecável, com dois pega-rapazes na testa, conforme o determina a moda atual. A pele, de uma alvura translúcida, era complementada pelo branco do vestido e pelo tom pastel do imenso chapéu, fazendo-a parecer ainda mais sedutora do que da primeira vez em que eu a havia visto. Os olhos - ah, os olhos! São tão verdes! Emoldurados por longos cílios negros, eles fizeram-me lembrar de outros olhos de um verde igualmente profundo e olhar curioso, que tanto me chamaram a atenção faz hoje quase uma semana! Fixando o meu olhar naqueles olhos verdes e selvagens, que me hipnotizavam, pude notar uma diferença marcante entre os olhos da mãe e os do filho (todos os que acompanham estas crônicas devem recordar de que eu escutara, inadvertidamente, o jovem que a acompanhava chamá-la “mammy”, tal como o título do filme de tanto sucesso há dois anos e no qual Al Jolson fez rir meio mundo). Naquele momento, eu acabara de confirmar que a diferença estava em que o verde dos olhos dela era uma cor alegre, com vida, com luz interior, enquanto que o verde dos olhos que me observaram através do refresco de limão era de uma tristeza infinita, incompatível com o vigor da juventude do seu dono. Mistérios dos olhos verdes!


A dama inglesa - com enormes colares dançando ao peito e com o seu vestido branco esvoaçante - limitou-se a fazer um leve, quase imperceptível, cumprimento com a cabeça (mas que me pareceu dizer tanta coisa) e saiu do meu ângulo de visão. Percebi que ela descera as escadas rumo aos salões, ou mesmo para fora do hotel, ficando eu, mais uma vez, perdido com minhas lembranças. Desta vez, foi ela quem desapareceu repentinamente e, sem mais delongas, recoloquei o meu pincenê e continuei apreciando os mosaicos do andar onde estou hospedado, para ver se decobria a origem dos mesmos. Esqueci, naquele momento, a misteriosa dama.


Para aproveitar o fim de tarde ensolarado, ainda que com o vento sul incomodando um pouco (gosto de Montevidéu no inverno), resolvi descer até ao paredão que nos protege desse rio quase mar, rota de tantos navegadores, incluindo Maria de Sanabria, e que se espraia à frente do Parque Hotel. Rio da Prata, o rio que levava ao sonho do Rei Branco, ao mundo desconhecido de Potosí iria, sem que eu ainda o soubesse ainda, levar-me também à prata dos antigos colonizadores.



Saí do hotel, atravessei a rua, sentei-me em um banco de pedra e vi que um dos recepcionistas do hotel estava ali conversando com alguns amigos, enquanto aguardava a hora de voltar ao serviço. Chamei-o e, por meio do péssimo, mas sempre resultante, hábito de uma propina polpuda, pedi para ele identificar os nomes dos quatro ocupantes do quarto vinte e cinco.





Esqueci o tempo e já anoitecia quando resolvi voltar ao hotel. Logo à entrada, o funcionário da propina referida aguardava-me com um papel entre os dedos que, sorrateiramente, passou para as minhas mãos, ao mesmo tempo em que perguntava se eu não iria participaria do grande jantar dançante de logo mais à noite, pois já haviam esvaziado os dois salões e começavam a distribuição das mesas. Sem pensar, respondi que sim. - "Quero a mesa vinte e cinco", disse quando já entrava no elevador.


Abri o bilhete e consegui satisfazer parte da curiosidade: “Alexandra Mary of Leicester, duquesa viúva de Leicester e Timothy Edwards of Leicester, conde de Leicester.”Ao sair do elevador algo me pareceu diferente. Corri para a grande janela frontal e não acreditei no que via! Eu voltara àquele outro mundo (o de 2007), a um mundo colorido, ruidoso e sem encanto. A praia que eu podia ver da janela era a mesma, mas estava diferente da que eu acabara de deixar . O Parque Hotel, mais uma vez, não era o Parque Hotel!
Pensei, então, que teria de fazer alguma coisa para voltar ao meu mundo, ao jantar do sábado 9
de julho de 1932. Fechei os olhos, mas nada aconteceu.
Devaneios de uma mente inconformada!