Vovó descascando feijões. Como eu gostaria de sentar de novo ao lado de vovó enquanto ela descascava feijões!
As mulheres fazem parte das minhas mais remotas lembranças. Como quase todos os nascituros de minha época, foram mulheres os humanos a que eu primeiro vi. A partir daquele momento, elas entraram com toda a força em minha vida.
Em nossa casa do Recife sempre estive em companhia feminina, minha mãe, minha irmã, Maria, dona Maria, Eulina, Matilde e algumas outras que saíam e entravam. As amizades de minha mãe e as de minha irmã eram, obviamente, mulheres: Neuza, Wanda (com “W” mesmo), Creuzinha, Lenyra, Marina, Ignês, Fernanda, Nina, Rosa, dona Judith, dona Alaíde, dona Adauta, dona Paulita e tantas, tantas outras que, até hoje, fazem parte do mundo das minhas lembranças, dos meus sonhos mais frequentes. Quando mamãe se referia a Portugal, era em minha avó, minhas tias e primas que ela sempre pensava. Todas mulheres, naturalmente.Quando recordo da Rua do Cupim de minha infância, vêm à lembrança as imagens de dona Zilda, dona Dulce, Eliane e Consuelo, só para citar as vizinhas mais próximas. Baby (que saudade de Baby!), Norma, Lina Schenker e a cadelinha bassê . Lina Schenker, aliás, foi a pessoa mais fora de contexto que já morou na Rua do Cupim e, para mim, permanece ainda hoje tão misteriosa como há mais de cinquenta anos. Lina, a cadelinha bassê e o "serra velho" anual a que seu Shenker era submetido dariam para encher muitas e muitas páginas de qualquer novela, mas, por enquanto, eu me limito a mencionar os seus nomes.
Dona Carmem entrou em minha vida infantil através de pastéis de nata e de suas quatro filhas, Marília, Inês, Nilza e Carminho, mais mulheres a povoar as minhas recordações infantis, essas, bem jovens.
Até hoje, não consegui responder à pergunta que Helena passou a vida fazendo, “se era dela ou de Irene de quem eu mais gostava”, nem também à pergunta de Irene, “se era dela ou de Helena de quem eu gostava mais”... Respostas impossíveis para uma criança, que provavelmente não gostava muito nem de uma, nem de outra.
Mais tarde, mas antes da adolescência, surgiram mais mulheres, Thereza, Inalda, Elza, dona Belinha e sei lá quem mais. Para mim, a infância foi um período de mulheres, algumas mais fortes, outras, menos fortes, mas todas marcantes na formação de minha personalidade e remanescentes ainda hoje no fundo da memória.
E homens ? Não havia homens no mundo daquele menino que eu fui? Excetuando meu pai e meu irmão, este tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante, só aos 9 anos comecei a conviver com pessoas que falavam no masculino. E aí surgiu outro mundo, outra realidade tão diversa daquela das mulheres da minha primeira década de vida.
Restam agora duas perguntas: foi de mulheres fortes na minha infância que eu resolvi escrever esta crônica, ou simplesmente de mulheres fortes? E o que é que tem a ver María de Sanabria - personagem título desta postagem – com todas as mulheres fortes de minha infância? "María de Sanabria" é o título de um dos livros que estou lendo neste momento e o próprio autor, Diego Bracco, classifica a obra de novela histórica. Foi publicado em março de 2007, sendo editor Santos Rodríguez, com direitos autorais das ”Ediciones Nowtilus S.L.” e impresso nas Gráficas Marte, S.A., na Espanha. Não sei dizer se já há uma versão em língua portuguesa, mas aconselho aos leitores apaixonados pelo estilo novela histórica que adquiram e leiam o novo livro de Diego Bracco, de preferência no idioma de Cervantes.
Quem foi María de Sanabria?
A contracapa de “María de Sanabria” esclarece que o personagem título foi "a protagonista de uma das expedições mais fascinantes e menos conhecidas das que partiram da Europa em direção ao Novo Mundo. Usou da própia beleza e juventude para fugir ao destino que a sociedade da época lhe impunha. Com habilidade e usando, às vezes, de intrigas, conseguiu que a sua armada estivesse pronta para zarpar nos princípios do ano de 1550. Maria de Sanábria enfrentou vários obstáculos antes de partir, desde problemas com o pai até ao preconceito de então contra as mulheres, mas a sua aliança secreta e estratégica com o lendário Álvar Núñez Cabeza de Vaca e o seu determinismo levou à frente a sua obsessão. Durante a travessia enfrentou temporais e doenças [...]", Prefiro parar por aqui, pois ainda não cheguei ao meio da leitura e não quero tirar o prazer dos que o ainda irão ler.
María de Sanabria não faz parte das mulheres do meu passado, pois só agora entrou em minha vida, mas, sem dúvida, que inundou de ilusões os sonhos de muitas crianças - e até de adultos - em um século no qual o sonho e a realidade muitas vezes se confundiam.
A bravura da mulher María de Sanabria é uma homenagem a todas as mulheres de minha infância, que não chefiaram armadas nem enfrentaram os perigos do Grande Mar ou do Rio da Prata, mas que nortearam a armada de minha vida com vigor e empenho, do mesmo modo que ela, há quase quinhentos, anos norteou (ainda que vindo para o hemisfério sul) uma armada insólita para os padrões da época.
Sem dúvida que María de Sanabria, o livro e María de Sanabria, a mulher serão títulos de algumas outras postagens.
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* Título grafado em espanhol. Em português, como todos sabemos, o “Maria” será sem acento agudo no “i” e o “Sanabria” terá um agudo no segundo “a”.
Um comentário:
Parabens... Li no Jornal O GLOBO de domingo( 30 de agosto ), pela primeira vez, sobre A TRAVESSIA DE MARIA DE SANABRIA, lendária expedição das mulheres que atravessaram o Atlantico no século XVI. Complementei a leitura com seu blog, que por sinal está MARAVILHOSO...
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