sábado, 8 de dezembro de 2007

DOS CINEMAS DE BAIRRO E DO GIRAR DO MUNDO


Sábado, para mim, é um dia muito especial e gosto de ficar na cama até mais tarde, mesmo quando já estou acordado. Depois de muito espreguiçar, faço a triagem dos sonhos noturnos e continuo, de olhos bem abertos, a sonhar com aqueles que mais me agradaram. Esta manhã, na cama, a saudade do Cine Coliseu do Recife bateu à porta. Saudade besta, eu sei, pois nem o Coliseu era um primor de sala de espetáculo com direito a sonhos e saudade, nem eu era seu frequentador regular, mesmo assim, sonhei com o Coliseu e senti nostalgia de um tempo distante.




Selecionei o canal do sonho do Coliseu e me deu uma vontade "medonha" de entrar em um ônibus da Amorim, ou na lotação “Marta Rocha”, na parada da Avenida Rosa e Silva em frente à capelinha dos Aflitos, descer na Vila dos Comerciários, atravessar a Estrada do Arraial, ficar na fila, pagar "meia entrada" para assistir a uma chanchada da Cinelândia. Então, depois de adquirir a "meia entrada", compraria jujuba ou dropes dulcora (recém lançados) na salinha que antecede à sala de projeções, passaria para a sala principal, que estaria ainda com as portas laterais abertas, sentaria e, com circunspeção, aguardaria o início do filme. Fui uma criança circunspeta, um adulto anarquista e agora, no alto outono da vida, voltei a ser circunspeto – o mundo gira, gira, gira.
Continuando com o "sonho", fui até capaz de sentir o calor que fazia quando fechavam as portas laterais do Coliseu! Pelo menos, as cadeiras eram de madeira e, mesmo duras, eram bem mais frescas do que as confortáveis, com estofo. Antes de apresentarem os “trailers” dos filmes que seriam exibidos na semana seguinte, sempre passavam as "Actualités Françaises" http://youtube.com/watch?v=Pp6l24UGpK4 e, em seguida, o Jornal da Atlândida: http://hk.youtube.com/watch?v=CRLYBz9dmj8, que, além de publicidade, apresentava notícias da semana ou documentários sobre fatos importantes.
Descobri, recentemente, que a imagem símbolo da Atlândida não tem uma origem muito correta, politicamente falando. Acessem o link a seguir e verão: http://www.youtube.com/watch?v=gzlsUDmTQhs . Não acredito, porém, que esse fato tire o brilho dos seus espetáculos.



Não sei quando o Cine Coliseu (ou seria, “Cinema Coliseu”?) foi inaugurado, mas lembro de que ainda criança era lá que eu ia assistir às comédias da Cinelândia, sempre com Oscarito, Grande Otelo, Zezé Macedo e tantos outros, de saudosa memória e poucas homenagens. Talvez porque eu fosse ainda muito pequeno e os outros filmes, “impróprios” para a idade que eu tinha, é que o Coliseu de minha infância só me traz aos sonhos filmes brasileiros. Na década de 1960, ele transformou-se em "cinema de arte" e voltei lá muitas vezes. Nessa ocasião, eu já ia nos modernos ônibus elétricos!


Quem não lembra de Viridiana, de Zorba, o Grego, de Teorema ? A todos, eu assisti no Coliseu.



No Coliseu não exibiam “séries”, só no Cinema das Graças e esse sim faz parte da aurora da minha infância, pois foi a primeira sala pública na qual assisti a filmes. Lembro bem de que eu gostava da série Flash Gordon. “Série”, para os mais novos, eram seriados que passavam, semanalmente, antes (ou depois) do filme principal e deixavam no espectador uma incontrolável vontade de voltar na semana seguinte. Na realidade, são os antepassados das telenovelas com apenas um capítulo por semana e que, diferentemente destas últimas, obrigavam às pessoas a saírem de casa para acompanhar.

No Cine Graças - salão paroquial da matriz de
mesmo nome - assisti a muitos faroestes - que nunca foram os meus prediletos - e a muitos filmes de ficção científica, o que, pelos vistos, desenvolveu-me essa veia ficcionista.




Depois de mais crescido, comecei a frequentar, a pé e sozinho, o Cine Torre e foi lá que assisti ao filme “13 Cadeiras”, com Oscarito. O Cine Torre, inaugurado em 1942, ocupava uma construção com características do decô tardio e não resistiu mais do que trinta anos como cinema. Não sei se o prédio ainda existe, transformado em mercado, ou se foi demolido.


O Cine Boa Vista também faz parte das memórias remotas, ainda que as minhas idas a ele fossem mais espaçadas do que aos demais cinemas, até hoje não sei bem por qual razão. Acho que a minha irmã tinha alguma cisma com o “Boa Vista” e como todas as cismas dela, depois de curadas, passaram para mim, eu sempre cismei com aquele cinema.


Em determinada fase da vida, fui muito ao Cine Soledade, onde os filmes eram rigorosamente censurados por Monsenhor Sales e, talvez por essa razão, sempre que sonho com o Soledade é com os filmes de Frei José Mojica que eu sonho. O Soledade era o lugar de namorar das meninas do Eucarístico e eram elas o maior atrativo para os adolescentes frequentadores do jardinzinho do cinema. Deixo aqui a pergunta de Reinaldo de Oliveira em uma de suas crônicas :

“Onde andam as saias vermelhas do Colégio Eucarístico?”.


Dentre os muitos cinemas de bairro do Recife existia um que sempre mexeu com as minhas fantasias e, sinceramente, até hoje não me conformo em nunca ter ido lá, o Rivoli de Casa Amarela. E por que eu nunca fui ? Porque o meu pai dizia que o cinema não era bem frequentado, que era perigoso e que não seria bom, para um menino/adolescente tão dado à circunspeção como eu, expor-me a esses perigos. Que frustração em jamais ter descoberto a razão do perigo que me impunham os frequentadores do Rivoli de Casa Amarela!




Nunca fui também, aí por opção, ao Cine Espinheirense que deve até hoje inundar de fantasias os sonhos de alguns (algumas) dos (as) que me lêem. Também não conheci o Cine Encruzilhada, que sei ter existido, mas não exatamente em que local (na Encruzilhada, certamente).


Hoje, não tem mais o Coliseu, o Graças, o Torre, o Boa Vista, o Soledade, o Encruzilhada ou o Espinheirense mas, quem sabe, amanhã não terá tudo de novo?


Neste sábado, então, prefiro ficar quietinho, enroscado nos lençóis e esperar para ver o que acontece, já que o mundo não para de girar e, talvez, no próximo sonho, eu vá ao Rivoli de Casa Amarela!


Fico apenas na vontade "medonha", referida no início desta crônica. Na impossibilidade de poder voltar no tempo, restou-me, nesta manhã, o consolo de que o mundo gira, gira, gira e hoje, em 2007, já compro, de novo, "meia entrada" para todos os espetáculos a que assisto.
Menos mal!

2 comentários:

Anônimo disse...

Alvaro
me deliciei agora fazendo esse passeio virtual por alguns dos cinemas do Recife. Como morava em Casa Amarela fui assíduo frequentador do Rivoli, Albatroz e Coliseu.
Tenho 59 anos e moro no Recife.

Maria Alice de Queiroz pires disse...

Alvaro, saia dos lencois e continue indo aos cinemas. Como nao existem mais os do passado, va aos do shoppings jà q agora vc tb deve ter direito a meia entrada... Gostei do s blog e sou muito saudosista como vc. O onibus eletrico, como andei neles... Maria Alice de Q. Pires