sábado, 1 de dezembro de 2007

HISTÓRIA DAS RUAS DE BRUXELAS, INSÓLITAS OU NÃO

Há uns dez dias, mais ou menos, fui a uma livraria em Bruxelas e resolvi comprar, entre outros, um livro pouco espesso (menos de duzentas páginas), que estava entre os lançamentos do mês de novembro. Quando optei por comprar “Histoire insolite des rues de Bruxelles”, de Georges Lebrouc*, não foi tanto para ler tranquilamente em casa, mas para, logo que me fosse possível, colocar debaixo do braço e sair por aí (nesse caso, por Bruxelas), lendo a história insólita que o autor nos conta sobre os nomes de tantas das muitas ruas da milenar cidade.



Domingo passado, para aproveitar o sol de fim de outono, ainda que com um frio bem mais de inverno, saí de casa com o livro na mão, bastante roupa no corpo e muita disposição para andar pelas ruas de Bruxelas, antes que o tempo mudasse e o sol cedesse lugar à costumeira chuva . E mudou mesmo, antes do fim da caminhada caiu um temporal típico da cidade.


Comecei a “viagem histórica pelas ruas de Bruxelas” no bairro Marolles, um dos mais típicos e antigos da cidade, cujo nome decorre de um convento das "Irmãs apostólicas maricoles" (ou marolles) que existiu no bairro e contribuiu para a sua formação. Pouco a pouco, fui tomando conhecimento da razão de tantos nomes bizarros que têm as ruas do Marolles e muitas outras espalhadas pelas diversas “communes” que constituem a Bruxelas de hoje.


O livro de Lebrouc não é um dicionário, mas uma forma divertida de explicar a gênese dos nomes de cada rua como, por exemplo, o da rua que se chama “Rue du Chien Marin” e da razão de existir um monumento ao “Pigeon Soldat”, literalmente, a Rua do "Cão Marinheiro" e o monumento ao "Pombo Soldado"., respectivamente. Só mesmo em Bruxelas!

Andei muito, do princípio da manhã ao fim da tarde, quando decidi parar para almoçar ainda no Marolles. Mais tarde, tomei um chocolate na Place du Châtelain e o resto do tempo foi dedicado à descoberta da razão dos nomes das ruas.

Aprendi que a “rue de la Putterie”, ao lado da “Gare Centrale”, deve o seu nome a um dos três termos “puits”, “pots” ou “putes”, que significam, respectivamente, “poços”, “potes” ou “meninas da noite”. Que por ali havia poços, havia, que se ia buscar água aos poços em potes, ia-se e que, mais tarde, as meninas também proliferaram por lá, é fato confirmado ... Várias canções populares, velhas de muitos séculos, parecem apontar a última hipótese como a verdadeira origem do nome da “rue de la Putterie”.
Qual não foi a surpresa que tive ao chegar à rua “Vilain XIIII” e pensar que estava diante de um erro crasso de numeração à romana. Pois não estava não. Descobri que a família “Vilain XIIII” tinha recebido de Louis XIV, o Rei Sol, o direito de usar como nome de família a mesma numeração do título do rei, desde que grafado de forma diferente. Ilógico para os nossos conceitos e, mais grave, com a grafia incorreta.
Foi com interesse que li que a “rue de l’Amigo” tem esse nome em castelhano devido a um erro de tradução dos ocupantes espanhóis (há mais de 400 anos). Existia nessa rua uma antiga prisão e a rua era conhecida, em flamengo, como “Vruntstraat”, “rue de l’Enclos” (em francês) , que pode ser traduzido por "prisão", "construção fechada". Pois bem, os espanhóis do século XVI confundiram “vrunt” (prisão) com “vriend” (amigo) e assim traduziram para o castelhano o nome da rua e "amigo" passou a ser sinônimo de prisão. Muita gente célebre e não célebre já esteve presa na “Amigo”, entre elas, Karl Marx e o poeta francês Paul Verlaine, depois de ferir à bala o também poeta Arthur Rimbaud. Foi na prisão que Verlaine escreveu este primor de poema:



“Le ciel est, par-dessus le toit,
Si bleu, si calme !
Un arbre, par-dessus le toit,
Berce sa palme.

La cloche, dans le ciel qu’on voit,
Doucement tinte.
Un oiseau sur l’arbre qu’on voit
Chante sa plainte.

Mon Dieu, mon Dieu, la vie est là,
Simple et tranquille.
Cette paisible rumeur-là
Vient de la ville.

- Qu’as-tu fait, ô toi que voilà
Pleurant sans cesse,
Dis, qu’as-tu fait, toi que voilà,
De ta jeunesse ? "

Em 1958, a prisão deu lugar a um dos hotéis mais luxuosos da cidade.

Eu poderia passar o resto do dia de hoje transcrevendo a insólita história dos nomes das ruas de Bruxelas, mas o tema não é do interesse de todos e, bem antes do final da postagem, muitos já estariam cansados e sem vontade de chegar ao fim. Lembrei de que um dos meus amigos de juventude, que já morou na Bélgica e conhece bem as ruas mencionadas, talvez pudesse interessar-se pelo resto da história, mas fui informado de que, atualmente, até mesmo ler publicidade é cansativo e literário demais para ele, portanto, prefiro concluir por aqui.

Quando já estava cansado de andar, apanhei o "tram" n° 23 e desci na “Commune Schaerbeek”, pertinho do número 138 da rue de Diamant, onde Jacques Brel nasceu. Escolhi uma música no aparelhinho MP3, aumentei o som e ... viajei, viajei, viajei..., mesmo sem sair do banco em que eu estava ao abrigo do frio e da chuva, esperando que ela parasse e me deixasse voltar para casa.

A quem me lê, indico este link, no qual Brel, ainda tão jovem, canta a cidade onde nasceu:
http://www.youtube.com/watch?v=Qrj7XN81E6g







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*Georges Lebrouc é licenciado em filologia românica e professor honorário do Instituto Superior de Estudos Sociais de Bruxelas.

Um comentário:

Eduardo disse...

adorei o post. cheguei aqui sem querer procurando mais informações sobre as ruas.
obrigado por compartilhar!