Desde a transcrição no Lugar do Souto (8 de março 2008) da crônica social de Raoval Berior, publicada em um periódico da cidade do Recife, em 30 de outubro de 1932, que não param de me fazer perguntas indagando sobre aquele desconhecido cronista de uma sociedade que não existe mais. As inúmeras pesquisas que fiz permitiram chegar aos seguintes dados:
Em 1919, a repentina morte do senhor Berior mudou radicalmente a vida da família. A loja que os sustentava passou para o controle dos maridos das duas filhas mais velhas e os cunhados de Raoval, que detestavam os seus modos peculiares, não descansaram enquanto não o expulsaram de casa e da redondeza.
Raoval Berior era o terceiro filho de um casal emigrado do Líbano que chegou ao Recife (Brasil) na década de 1880.
Raoval nasceu em um amplo sobrado por cima da retrosaria do pai, na rua do Rangel, no domingo de carnaval de 1899 e, coincidência ou não, foi um carnavalesco de mão cheia até o fim de sua não muito longa vida. Na infância, foi coroinha na vizinha Igreja do Livramento e era o encanto dos padres quando subia para o coro e os deleitava com a maravilhosa voz de querubim.
Foi a duras penas que o casal Berior educou as quatro filhas e o único filho varão, mas, graças à loja do patriarca e à doçaria da esposa, os pais conseguiram dar uma educação razoável aos cinco rebentos. As quatro filhas concluíram a Escola Normal e Raoval chegou ao segundo ano de Belas Artes, mas teve de desistir dos estudos depois da morte do pai.
Raoval, as irmãs ainda solteiras, a mãe, dona Floraval (que adorava o filho), mudaram para uma casa bem menor na rua de São João, no bairro de São José e o nosso futuro cronista teve de abandonar as Belas Artes para ajudar no sustento da mãe e das irmãs. Filho e irmão exemplar, recifense da gema e um apaixonado pela sociedade de então, foi o que a pesquisa constatou dos pouquíssimos relatos sobre Raoval Berior.
Entre 1920 e 1930 nada se registra sobre as suas atividades, existindo as mais diversas versões, que, por não serem de fontes fidedignas, prefiro omitir.
De repente, em dezembro de 1930, aparece a primeira crônica social, assinada com o seu nome verdadeiro, o que era uma temeridade, não só no Recife, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo daquela época. Raoval, porém, era destemido e, em menos de um ano, ele sim era temido pela sociedade, pois com as suas alfinetadas, perspicácia na crítica e uma constante observação da sociedade, era capaz de destruir quem ele quisesse e de quem não gostasse. Poder demais para aquele filho de imigrantes libaneses e que, mais tarde, lhe deve ter custado a vida.
A sociedade do Recife na década de 1930 foi reproduzida com minúcias por vezes picantes nos escritos do cronista. O estilo é simplório, com alguns erros gramaticais, às vezes piegas e repetitivo, mas reflete, sem dúvida, a sofrida, ambiciosa, sonhadora e mística personalidade do autor e era a maneira como ele via a sociedade do Recife do entre guerras. Pelo que eu pude notar das crônicas a que tive acesso, Raoval – fiel aos amigos - tinha os seus ídolos e esses eram sempre poupados e objeto de palavras elogiosas, cheias de exageros, nos textos publicados todos os domingos.
Raoval Berior foi encontrado morto em uma esquina da rua Direita, na Quarta-Feira-de-Cinzas de 1939.
Com o relato acima, espero ter satisfeito a quem me perguntou. Assumo o compromisso de que várias crônicas de Raoval, com fatos marcantes na sociedade da capital pernambucana, na década de 1930, serão publicadas no Lugar do Souto.